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Opinião|A Jovem Rainha

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Na primeira cena vê-se a imagem de uma jovem, enquanto uma voz em off a exorta a "salvar a Suécia."

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Em seguida inicia-se o flashback. A cena acima só voltará na proximidade do fim do filme. Começa-se então a assistir à história da Rainha Cristina da Suécia (1626-1689). Filha única de Gustavo II, é obrigada a assumir o trono ainda criança, quando o pai morre na Guerra dos 30 Anos. Mas a precocidade é apenas um dos aspectos dessa existência singular. Cristina é criada como homem, devota-se a selar a paz com os vizinhos, é curiosa, inteligente, inquieta, cultiva as artes e as ciências.

No filme de Mika Kaurismaki, finlandês que viveu no Brasil, a vida de Cristina é enriquecida por outro aspecto. Sua paixão pela condessa Ebba Sparre (Sarah Gadon) causa não poucos constrangimentos à Corte. Afinal, relações lésbicas não eram bem toleradas pela moral da época, ainda mais quando se tratasse de um caso entre uma rainha e sua dama de companhia. Além do mais, Cristina (Malin Buska) tinha o "dever" de fornecer um herdeiro para o trono e dar continuidade à linhagem. Ela resolverá as duas questões com coragem e originalidade, como se verá.

Além de encarnar a luta pela liberdade sexual, Cristina, do jeito como é pintada por Kaurismaki, apresenta outro atrativo. É uma mulher civilizada, adepta da razão e da cultura contra as trevas de uma religiosidade muito rígida como a do Luteranismo vigente no Império Sueco.

Por fim, é uma mulher determinada que, embora poderosa, mexe-se num universo masculino. Cedo descobre que seus desejos pessoais, mesmos os mais generosos, são limitados pelas "razões de Estado". Razões que, naquele tempo, confundiam-se com as da Igreja. Vive-se a época da Reforma e nações colocam-se em guerra pelo predomínio do catolicismo ou da dissidência protestante. Em meio a essa luta se dará o reinado de Cristina, com suas idas e vindas entre os dois pólos de poder da época.

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Some-se tudo e Cristina ainda nos parecerá uma figura muito simpática, além de contemporânea deste nosso tempo em que as mulheres despertaram para a realidade de que a sua luta por igualdade não terminou nos anos 1960, embora deva muito a eles.

Sem forçar a barra, Kaurismaki destaca a modernidade dessa rainha do século 17. Alguns dos melhores momentos são os de seus embates intelectuais com os (medíocres) homens da Corte, que a cercam e tentam dominá-la. Também marcantes são seus encontros com um sábio da época, o filósofo francês René Descartes (1596-1650), interpretado por Patrick Bauchau, Descartes foi a Estocolmo visitá-la e lá morreu. Consta que o filósofo não aguentou o frio sueco e morreu de uma prosaica pneumonia. Kaurismaki dá outra versão, enfeitando um pouco as coisas e apelando para uma teoria conspiratória não de todo improvável.

Muito bonito do ponto de vista visual, A Jovem Rainha deixa a desejar quanto à fluidez como conta a história. Ao contrário da personagem que retrata, às vezes parece um pouco travado e rígido. Mas, diga-se: não exala aquele cheiro psicológico de mofo que muitas vezes se desprende de filmes históricos. E a personagem, já interpretada em tempos idos por ninguém menos que Greta Garbo, reaparece em todo seu frescor e vitalidade. Só por isso já vale a pena ver.

 

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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