Duas séries contam a História não como foi, mas como poderia ter sido. Esse tipo de narrativa é quase um gênero - a história contrafactual ou história alternativa.
Em Hollywood (Netflix), a trama se passa nos bastidores da meca do cinema americano durante os anos 1940. Um ambiente tóxico, cheio de preconceitos e limitações morais. Mas, ao longo dos oito episódios, vamos vendo como barreiras raciais, sexuais e de gênero vão sendo rompidas. Avanços que só aconteceriam, mal e mal, uns 70 anos depois. Mas, ficção é ficção e nela (quase) tudo vale.
Já em Complô contra a América (HBO Go), imagina-se o que teria acontecido caso o presidente Roosevelt tivesse perdido as eleições para um candidato pró-nazista durante a 2ª Guerra Mundial. A série é baseada no livro homônimo de Philip Roth.
Hollywood é apenas uma fantasia feliz, degustável caso não se leve muito a sério. Satisfaz uma certa ilusão contemporânea de que se as pessoas tivessem mais boa vontade etc., o mundo poderia ser bem diferente.
Verdade em parte. Mas que ignora a força oculta das estruturas, que torna inócuas as iniciativas voluntaristas.
Já Complô contra a América, por sua complexidade, chega a dar arrepios. Imagina que o aviador (e direitista) Charles Lindbergh teria vencido as eleições e implantado nos Estados Unidos um regime pró-Hitler.
O ponto de vista narrativo é o de uma família de judeus que começa a sentir o peso da opressão sob o regime de Lindbergh. A trama parece bastante verossímil. E não cai na armadilha fácil dos exageros.
Pelo contrário, é bastante sutil na maneira de mostrar como os regimes autoritários (e, no fundo, criminosos) começam a minar de maneira progressiva os direitos dos cidadãos até que estes se vejam impotentes para opor qualquer resistência. Em seguida, uma vez eliminadas as barreiras institucionais, possam, de maneira cada vez mais aberta, criar um Estado totalitário e um regime de terror.
Inútil, ou quase, dizer que tal trama distópica cabe como uma luva no Brasil contemporâneo.