Como se aproximar desses filmes? Notando o que há neles de comum, talvez o fascínio pela selva, como se fosse o local, fora da cidade, onde o diretor espera por algum tipo de epifania. Sim, porque existe algo como uma iluminção esperando por esses personagens que se movem no labirinto das florestas. Pode ser um tigre que espreita o caçador, como em Mal dos Trópicos; podem ser almas de pessoas que já morreram, como em Tio Boonmee. Tudo é estranho. Mas a arte de Apichaptong faz essas extravagâncias parecerem naturalis. Como nos parecem naturais os sonhos, por absurdos que os achemos ao despertar. Há um tempo do sonho e um tempo da vigília. Há um tempo do cinema e um tempo da "vida normal". Apichaptong explora essa possibilidade de existências sobrepostas, uma tão real como a outra, mesmo que ofendam o pensamento lógico. Ou que destruam do pensamento único realista que domina o cinema contemporâneo.
A ideia do filme, conta o diretor, é livremente inspirada em livro de um monge, que fala exatamente em reencarnação. No texto, em determinado momento, o autor se refere a um certo Boonmee, que teria a capacidade de recordar-se de suas vidas passadas. Eis aí o nosso personagem. Com o detalhe que o Boonmee do filme está doente, e, moribundo, resolve se retirar para a floresta. Recolher-se para a morte - e esta é a meditação que passa em filigrana pela narrativa que tem na memória seu tema mais forte. Se é que se pode chamar narrativa a uma experiência bastante sensorial, buscada pelo apuro estético de quem também é artista plástico e sabe construir uma imagem para obter determinados efeitos. O principal desses efeitos, parece, é nos arrancar do embrutecimento cotidiano e nos fazer reabrir os olhos e enxergar alguma coisa, mesmo que indefinida. Não é pouco.