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Cinema, cultura & afins

Opinião|A escolha de Camila

No filme de Beto Brant e Renato Ciasca, que estreia na sexta-feira, Camila é Lavínia, a moça casada com um pastor que vive um tórrido caso de amor com Cauby (Gustavo Machado) na calorenta região amazônica. O filme é baseado no romance homônimo de Marçal Aquino, parceiro habitual de Beto Brant.

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Na longa conversa que teve com o Caderno 2 na produtora Drama, situada numa rua da ex-bucólica Vila Madalena, Camila afirma que o papel de Lavínia é, de fato, o mais intenso de sua carreira no cinema. Aquele que a exigiu mais, tanto em termos de exposição quanto de interpretação. "Custou mesmo muito trabalho, viu?", diz. "Depois, eu estava a fim de quebrar aquela imagem de mocinha boazinha da TV", diz, rindo e espichando sílabas. "Queria risco". E risco não é o que falta a essa história.

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Camila enfrentou o filme bem consciente de todas essas dificuldades. Sondada para o papel, fez a lição de casa. "Fui a uma livraria e comprei o livro", diz. Leu com atenção o romance de Marçal Aquino. Releu e leu ainda outra vez, até o ponto de decorar diálogos e situações. "Apaixonei-me por aquela história", suspira, sem pieguice porque é história dura e terna.

Acontece que um filme não é um livro. Será preciso, pelo contrário, tirar dele toda a pátina literária para que a história ganhe vida e imagem a partir dos personagens. E será preciso atores, gente de carne e osso, que empreste seu corpo a esses personagens, e lhes dê vida, gozo e sofrimento. Tal é a entrega de Camila à sua Lavínia, em suas várias vertentes, de prostituta redimida à religiosa que abraça uma causa social; de esposa a amante, até que, num dilaceramento final, se converta ao mutismo. Pobre do filme que não tenha intérprete desse quilate. Fica "sem alma". Mas talvez fosse melhor dizer: "sem corpo".

Camila Pitanga sabe bem o quanto toda essa entrega exigiu. Mas teve bons parceiros. A começar pela dupla de diretores e, a seguir, os companheiros de cena, Gustavo Machado, que faz o fotógrafo Cauby, e Zécarlos Machado, intérprete de Ernani.

"Fazíamos as cenas como numa jam session", lembra a atriz. "Depois de muito ensaiar, filmávamos, mas continuando como se estivéssemos ensaiando; quer dizer, criávamos o tempo todo", diz. Quando achavam que estava bom, faziam mais uma tomada, "apenas como garantia". E assim a coisa ia. O estilo de filmagem de Brant e Ciasca prevê longos planos sequência, isto é, sem cortes. Oito minutos seguidos, até terminar a bobina de 35 milímetros. Isso era fundamental para que se completasse na imagem essa relação da história amorosa com os corpos, ou com um corpo em particular, o de Camila.

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"A Lavínia é uma mulher dividida, mas não pela culpa ou gratidão em relação ao Ernani; é divida entre dois homens que ela igualmente deseja, com os quais transa, e muito bem", diz Camila. No livro talvez a dimensão cristã da gratidão tenha mais força; no filme, tudo fica ainda mais complexo. Ela realmente não se conforma em abdicar de qualquer dos dois homens, tão diferentes entre si e tão igualmente presentes em seu desejo.

Camila vê ainda outro aspecto em sua Lavínia: "Ela é cindida por um passado do qual é resgatada; sai da cidade e cria uma relação de pertencimento a outro lugar, quando então chega um terceiro personagem, o Cauby, que bagunça tudo; ela se perde quando a escolha fica insuportável."

Mas nem só de sofrimento e dilaceramento vive essa personagem. Camila faz com que Lavínia vibre como um instrumento que pode tocar a nota da dor, mas também a do prazer, da raiva e da meiguice; do entusiasmo e da mais exasperante indiferença. Para tudo redimir com apenas um sorriso solar. Sorriso de lindos lábios.

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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