Ely Azeredo começou na Tribuna da Imprensa em 1953 e passou pelos principais cotidianos cariocas ao longo dos anos. Ao todo, calcula ter escrito mais de 5 mil artigos sobre cinema, entre ensaios, entrevistas, reportagens, mas, acima de tudo, críticas. Muitas - cerca de 700, calcula - se perderam. Das que restaram, o livro traz uma seleta de 98 artigos. Ely optou pelo formato em flashback - vai do mais recente ao mais recuado no tempo. Com exceção do primeiro texto - sobre Cidade de Deus, de 2002 - colocado na abertura do volume, os artigos vão de 2003 a 1953, para fechar a conta redonda dos 50 anos de atividade. A primeira crítica é de Carandiru, de Hector Babenco, publicada no Jornal do Brasil em 2003. A mais recuada é a da animação Sinfonia Amazônica, que saiu na Tribuna da Imprensa em 1953. Mas o texto que fecha o livro é um ensaio sobre a chanchada e a companhia cinematográfica Atlântida, publicada em 1990, em O Globo.
Durante a sua longa atividade como crítico, Ely Azeredo assistiu a muitos filmes e presenciou a ascensão e o declínio de diversas fases importantes do cinema brasileiro. Pegou ainda a chanchada, com seu grande apelo popular, viu a fundação e a falência da ambiciosa Companhia Cinematográfica Vera Cruz, testemunhou a revolução de jovens contestadores dos anos 60 e lhes deu, de graça, um rótulo destinado a correr mundo - o de "Cinema Novo", slogan que usava para se referir ao grupo em seus artigos na Tribuna da Imprensa e que foi apropriado por Glauber Rocha e amigos. Viu o fim das ilusões dos cinema-novistas e a subida à cena do cinema dito marginal. Conviveu com a Embrafilme, depois, com a estagnação do período Collor, quando o cinema brasileiro quase acabou. Em seguida, acompanhou o renascimento, batizado de Retomada.
Essa é a viagem que Ely Azeredo compartilha com seus leitores quando reúne a nata de sua produção jornalística. São textos de momento, como tudo que se publica em jornal, o que não quer dizer que tenham perecido, ou sequer envelhecido. Tudo o que se escreve com estilo perdura. E Ely, concorde-se ou não com suas avaliações, mostra sempre personalidade e conhecimento. Suas palavras são expressão de um olhar pessoal, e independente. Por isso, preservou a maioria dos textos da maneira como foram publicados e consumidos no café da manhã pelos leitores dos jornais. Cortou trechos que considerou repetitivos. E juntou algumas notas de rodapé, com esclarecimentos necessários. O básico, no entanto, está preservado, o que é fundamental para que esses textos sirvam como documentos de época. Sim, pois uma história das avaliações críticas pode fornecer subsídios importantes para a prospecção da mentalidade de um período histórico. Ainda mais quando essa atividade se estende por tantos anos.
Por exemplo, é muito interessante saber que o inventor da expressão Cinema Novo não era fã incondicional dos cinema-novistas. Gostava do Glauber Rocha de Deus e o Diabo na Terra do Sol,mas não do de Terra em Transe, sobre o qual escreve uma crítica demolidora. "Alegoria desordenada, geralmente hermética, revelando imaturidade e primarismo, etc." Também não suspirava por O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro,vendo nele "a demolição das conquistas formais de Deus e o Diabo". Via em Vidas Secas uma obra-prima e, em seu diretor, Nelson Pereira dos Santos, o tradutor ideal em linguagem de cinema daquilo que Graciliano Ramos havia pensado em palavras.
É sempre muito fácil, quando se lê uma coletânea, dizer que o crítico "errou" ou "acertou". Errou ao não reconhecer no momento de estreia o filme que hoje faz parte do cânone ou quando valorizou obras que se mostraram datadas. Pouco importa. Todos estamos sujeitos às vicissitudes do tempo e não podemos adivinhar o que a posteridade dirá a respeito desta ou daquela obra. Tudo o que se pode fazer é abordá-la com paixão, senso de justiça e mente clara no momento em que surge, pois todo filme novo é um desafio e um enigma proposto ao crítico. Se este faz seu trabalho com talento, o texto permanece, mesmo que a posteridade não avalize suas conclusões.
Falando sobre a crítica, Martin Scorsese disse que, no âmbito do cinema, opiniões têm vida curta; reflexões permanecem. Ely Azeredo nos legou reflexões. Sua leitura enriquece.