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Opinião|'150 Miligramas', um caso médico

Baseado em história verídica, filme francês, dirigido por Emmanuelle Bercot, relata a luta de uma médica idealista contra o poder econômico de um laboratório farmacêutico

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:
 Foto: Estadão

Um filme chamado 150 Miligramas não parece lá muito animador, não? Mas este drama médico, dirigido por Emmanuelle Bercot, não é nada mau, apesar do nome. O título original é mais palatável: La Fille de Brest.

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Enfim, a história trata de Irène Frachon (Sidse Babett Knudsen), médica que associa a morte de alguns pacientes ao uso de determinado medicamento para controle do diabetes. Os e as pacientes têm sobrepeso às vezes mórbido e apresentam problemas cardíacos. Anos antes, o mesmo laboratório havia lançado no mercado outro remédio para controle da obesidade que também apresentava graves efeitos colaterais.

Depois da descoberta, Irène e seu colega Antoine Le Bihan (Benoît Magimel) terão de lutar contra o tempo para convencer a agência reguladora francesa a tirar o medicamento do mercado. E a indenizar pacientes atingidos, ou a seus descendentes em caso de óbito.

Acontece que, previsivelmente, encontram resistências pelo caminho. Primeiro, claro, do poder econômico da indústria farmacêutica, que não quer ver seus interesses prejudicados. Segundo, pelas próprias comunidades médica e acadêmica, cujo tempo de reação é lento, como se sabe. Para comprovar algo perante elas não bastam convicções e boas intenções. Exigem provas, pesquisas exaustivas, publicações em revistas científicas, etc. Tudo isso exige tempo. E dinheiro.

Irène não tem nem um nem outro. Raciocina premida pela urgência dos seus pacientes. Quer salvar vidas, o que é a obrigação número um de um médico. E, para tanto, não hesita em usar expedientes que se poderiam classificar de menos ortodoxos como o apelo à imprensa, publicação de livros, entrevistas à TV, etc.

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A história, baseada em fatos reais, tem inegável interesse. Não apenas pelo tema em si, mas pela maneira como é apresentada, como um thriller de bom ritmo. Apesar das 2h08 de duração, o clima tenso não cai. Além disso, a dinamarquesa Knudsen imprime marca frenética à doutora idealista. Assim retratada, Irène parece uma mulher cheia de vida, devotada a seus pacientes, risonha e calorosa. Impossível não torcer por criatura assim. Com seu carisma, ela ocupa o centro das atenções.

Esse bom filme poderia ser ainda melhor se dispensasse certas cenas detalhadíssimas de cirurgias e autópsias. Ninguém é obrigado a ter estômago para aguentar tanto realismo. E o cinema dispõe de armas poderosas de sugestão quando decide não ser tão explícito.

De qualquer forma, 150 Gramas faz parte desse conjunto de filmes sobre a ética médica que vêm surgindo no Brasil e no mundo. Como A Garota Desconhecida, dos irmãos Dardenne, da Bélgica, e o brasileiro Sob Pressão, longa-metragem de Andrucha Waddington, e agora série de TV, que vem fazendo muito sucesso. Trata-se de um foco de interesse muito forte porque as pessoas se sentem fragilizadas diante dos sistemas de saúde (no Brasil, então, é o caos) e precisam se convencer de que os médicos, ao menos alguns deles, ainda são capazes de sustentar a antiga ética de Hipócrates.

 

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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