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Cinema, cultura & afins

Opinião|Diário de Veneza 2014. Birdman

Veneza - Começar bem é tudo. E Veneza começou bem com o primeiro concorrente, Birdman, produção norte-americana dirigida pelo mexicano Alenjandro Iñarrítu (o González agora ele só abrevia com G.) A história é a de um ator que já viveu um superherói (O Homem Pássaro do título) e agora deseja mostrar a si e à família que também é capaz de interpretar uma peça autoral, escrita por ninguém menos que o cult Raymond Carver (o escritor de Short Cuts, que deu no grande filme de Robert Altman). Na verdade, trata-se de uma peça de teatro de Carver, De que Coisa Falamos quando Falamos de Amor.

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Em entrevista Iñarrítu disse que só poderia fazer esse filme com alguém que de fato tivesse vivido um superheroi na tela, o que é o caso de Keaton, o Batman. "Mas também era fundamental alguém que topasse sair da zona de conforto e transitar entre a comédia e o drama", como faz o personagem de Keaton, o ator Rigan Thomson. Ele é um tipo atormentado, que deseja a fama no palco após ter encarnado o superherói. Ouve uma estranha voz profunda, que o critica e tenta comandar seus atos. Mantém alguns poderes, como o dom da levitação e a capacidade de mover objetos metálicos apenas com o poder da mente. Dito assim, parece risível. E talvez até seja mesmo, porque o diretor calibra seu personagem entre o dramático e o cômico.

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Sobre esse ponto, de passagem, Iñarrítu disse que depois de ter feito muitos filmes com grande peso dramático, queria experimentar a leveza da comédia - desejo que estaria na origem deste projeto.

O fato é que, além de contar com bom elenco (além de Keaton, Edward Norton, Naomi Watts e Emma Thompson), Iñarrítu faz fé num dos traços característicos do seu cinema - a energia que impõe à narrativa, com cenas que vão de closes a planos-sequência caprichados e intensos. Nota-se que, ao trabalhar com atores famosos, Iñarrítu os tensiona de modo a assumirem riscos. "Fiquei impressionado ao ver o filme sobre o Philippe Petit, o francês andou sobre um cabo de aço entre as Torres Gêmeas", diz Iñarrítu. Fez com que os seus atores e atrizes vissem o documentário de James Marsh, O Equilibrista, sobre a façanha de Petit. Na verdade, ele toma a ousadia de Petit como metáfora para o desafio da arte.

Através dessa história, mesclada de realismo com traços fantásticos, Iñarrítu toca em questões bastante interessantes: a procura alucinada pela fama que, depois de conquistada parece mais um peso que uma vitória, a competição desabrida no meio artístico, a arrogância da crítica, que se julga capaz de determinar o sucesso ou o fracasso com o mero exercício da opinião. Coisas da natureza humana, enfim, e exacerbadas num meio e numa sociedade em que o sucesso é a medida de todas as coisas. O espírito latino de Iñarrítu, talvez ainda não dominado pela indústria, impõe uma visão crítica a essa ordem das coisas, num filme de alguns momentos brilhantes, outros divertidos, exemplo de que se podem fazer boas coisas mesmo no esquema dos grandes estúdios. Em geral não se faz, mas é possível. E o filme, inclusive, fala dessa possibilidade e dos seus limites.

 

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Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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