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Cultura, dívidas e dúvidas. Normal?

Nadando por São Paulo

It was one of those midsummer Sundays when everyone sits

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Por Redação
Atualização:

around saying, "I drank too much last night."

Urbânia Foto: Estadão

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Aí você mira. "Saio na 23 de Maio e é uma reta só". Foi o que fiz. Desci a Consolação e entrei no buraco da Roosevelt. Desviei da Rui Barbosa, do Bixiga, dobrei à esquerda rumo à Liberdade e, antes de cair à direita, na avenida apelidada agora de corredor norte-sul, passei pela obra d'Os Gêmeos e os "arcos do Jânio". Chamo assim por que na rua Jandaia, a de cima dos tais arcos, havia uma infinidade de cortiços que atrapalhavam o crescimento da cidade e, em 1987, o então prefeito Jânio Quadros resolveu derrubar tudo. Grita geral. "Monstro!" foi chamado pelos jornais. Lembro do meu pai, janista até a medula, dizendo que se fosse pelo seu conterrâneo mato-grossense "o Ibirapuera e todos os cemitérios tinham que ser loteados para engordar os cofres públicos". Meu Deus! Ocorre que durante a demolição os trabalhadores encontraram esses arcos, acredita-se que do final do século XIX, e o alcaide imediatamente assumiu a posição de "benemérito descobridor do passado paulistano". E o resto é história.

Ato contínuo, encontrei a pista adequada na 23 e fui me preparando para observar "As Ondas" da Tomie Ohtake (Monumento à Imigração Japonesa), obra que me é tão querida quanto La Vague, da Camille Claudel. O único problema, para mim, é que ela fica entre dois hospitais onde já compareci a velórios de pessoas queridas, meu pai inclusive. Preferi observar a Tomie. E a subida é completada pela passagem sob o viaduto da rua Paraíso, ao lado da Central de Controle Operacional do metrô e perto do Centro Cultural São Paulo. Tal passagem sempre me dá um certo tremor porque esse viaduto explodiu nos anos 1970. Me lembro como se fosse hoje. A gente feliz na prainha da rua Joaquim Eugênio de Lima - onde passávamos mais tempo do que nas salas de aula da Casper Líbero ali do lado - quando ouviu-se um barulhão tremendo. Ninguém se animou a abandonar o copo e depois de conjecturas absurdas que iam de queda de avião a atentado alguém veio falar do viaduto. Virou o assunto da semana: os mapas da rede elétrica, da rede de gás, da telefônica e outros mais, não eram compartilhados e cada um fazia o que queria. Então um vazamento formou um imenso bolsão inflamável que explodiu à primeira faísca. Creepy.

Onda que conta Foto: Estadão

Aquele pedaço me causa muito mal estar mesmo. A abertura da 23 de Maio - um córrego, como tantas outras avenidas nesta cidade, que escorria até a praça da Bandeira - provocou o sumiço de uma praça entre a Catedral Ortodoxa da Vergueiro e a Igreja na Nossa Senhora do Paraíso na Bernardino de Campos. Tenho certeza que havia um cinema ali onde assisti Os reis do ié ié ié (uma das cem vezes). Mas tudo desapareceu e acabou virando para mim o marco inicial do que chamei de Ladeira da virilidade. Trata-se do descidão da 23 de Maio, que vai do espinhaço da Paulista, onde ficava a antiga fábrica da Brahma e sua chaminé, e a várzea do Ibirapuera e seu obelisco (MMDC). Entre os dois gigantescos falos, a molecada dos anos 1970 se estuporava de carro. Era assim em todas as avenidas novas. Prostitutas e rachas, o tempo todo. E nos intervalos aparecia a polícia, não raro atirando. Louco. Mais tarde, mas bem antes de surgir aquele bingo medonho com motivos étnicos, um "gênio" cismou de construir uma caravela enorme ali. Hoje é um hotel. Demoliram o monstrengo de concreto que foide tudo que se possa imaginar. Latitude 3001- a maior danceteria da cidade. Altas baladas, eventos, shows de rock. Nunca entendi o conceito daquilo. Ficava na primeira esquina depois da Tutóia, em uma rua chamada... Caravela? É mesmo um caso de ovo-galinha esse. Quem nasceu primeiro?

Início do "descidão" Foto: Estadão

E no fim do descidão, virando á esquerda diante do obelisco, vemos a entrada do túnel Ayrton Senna encimada por uma escultura que lembra de uma maneira muito tênue um carro Formula 1. É que está faltando o capacete do piloto, roubado na mesma semana em que foi inaugurado. Por algum "fândalo", certamente. Completada a curva, tenho o dever de mencionar que um dos postes centrais da 23 de Maio, bem em frente ao antigo prédio do Detran, hoje MAC, foi avariado pelo último fusca que meu pai teve. Ele estava indo para o centro da cidade com a minha mãe do lado. Ela, que sempre teve medo de carro (e avião). Rezava enquanto meu pai dirigia.

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Fândalismo Foto: Estadão

Nesse dia um Galaxie encostou na traseira e começou a buzinar. Legalista, meu pai apontou para a placa com o limite de velocidade, 40, 50 km/h, sei lá. O cara cortou pela direita e deu uma fechadinha, mas a rebolada do carrão funcionou como um taco de beisebol e o fusca saiu voando, sendo aparado pelo poste. Meu pai machucou a testa, minha mãe o joelho, o carro quebrou no meio e o poste perdeu uma luminária. O facínora, apavorado, sentindo-se culpado e sem perceber que tinha sido seguido, voltou e enquanto olhava de longe a besteira que tinha feito bateu em um carro parado, em frente ao prédio da Bienal. Moral da história, meu pai ganhou um Opala novo e minha mãe um bordão, "eu falei que carro é um perigo, eu falei!"

Passado o viaduto dos Imigrantes depois do MAC, e as saídas para a Sena Madureira e a avenida Ibirapuera, a 23 de Maio vira Rubem Berta e ficamos meio sem assunto. Temos a AACD e a antiga Gastroclínica à direita e a Borges Lagoa à esquerda, rua do Teatro João Caetano em cujo palco minha mãe colocou uma medalha no meu peito - tinha passado para o terceiro ano primário no J. E. C. Branco (Jardim Escola Coelhinho Branco) - e décadas depois Itamar Assumpção, a muito custo, topou pela primeira vez fazer uma temporada apresentando músicas de seus discos anteriores (Retroexpectativa). Portanto, dali até o Clube Sírio não há muito o que falar, era mato cerrado. Logo abaixo da AACD, em frente aquele negócio chamado Tribunal de Contas, saía a rua Altino Arantes, que era o caminho para se ir para o centro da cidade - de alguma maneira a gente caía na avenida Brasil e depois na 9 de Julho. A Ibirapuera passava ali também, mas não como avenida ainda e sim linha do bonde.

Boate people Foto: Estadão

Pois foi lá em cima, no Esporte Clube Sírio, da esquina com a República do Líbano, que eu assisti ao Harlem Globe Trotters. A avenida vem desde o Ibirapuera, passa por Moema, onde fica o Clube Atlético Monte Líbano, e vai até São Judas. A alameda Moreira Guimarães, outro nome para a 23 de Maio, vinha do aeroporto e acabava na República do Líbano. Hoje passa por baixo dela, emenda com a 23. Antes de chegar ao Sírio, na área esquerda, Vila Clementino, foi onde caiu um avião em 1963. Era um Convair 340 da Ponte Aérea com a marca da Cruzeiro do Sul. Sobreviveram apenas um tripulante e doze passageiros, entre eles o Renato Consorte, um ator muito popular. Lembro que era uma noite de neblina e o avião passou muito baixo. Ia na direção errada. Mas não ouvimos ele cair. Deve ser porque foi do outro lado do espinhaço da República do Líbano.

Passando o Sírio, quase do lado, ficava a boate Bambú, uma das três do caminho. Ela ainda está lá, hoje é um restaurante familiar mas conserva o nome. Acho que era "inferninho". Mas minha mãe dizia, "é o maior chiquê, parece que tem até chão flutuante!". Até hoje fico pensando o que é isso (acho que é gelo seco). Nas casas das ruas de trás moravam os irmãos Loricchio. Em 1993, Douglas e Alberto, de 18 e 21 anos, viajaram para o Rio em um carro que eles próprios adaptaram com armas que podiam ser disparadas do porta mala. Foram surpreendidos na porta do Teatro Fênix, perseguidos e baleados sob a acusação de queria sequestrar a Xuxa e as Paquitas. Um morreu no local e outro, inesperadamente, no hospital. Até hoje fico pensando o que é isso.

À solta Foto: Estadão

Não se preocupem se não há muito sentido. Concluo e esclareço até o fim da semana. Não há nada a temer. Temer jamais.

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