PUBLICIDADE

Foto do(a) blog

Uma geléia geral a partir do cinema

Vaca sagrada

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Fui ver uma exposição sobre Grace Kelly em Paris. Vestidos, jóias, objetos pessoais. Imagino que o povo que trabalha com moda e design talvez se matasse para ver aquelas coisas. O que gostei foi da parte da correspondência de Grace. Suas cartas para Greta Garbo, Frank Sinatra, Cary Grant, Marc Chagall. O pintor acrescenta um desenho à sua carta, uma daquelas suas figuras esvoaçantes. E o texto é lindo. Ele agradece o carinho que recebeu de Grace em Mônaco e diz que ela fez com que se sentisse em casa. Adorei uma carta, datada de 1962, para Alfred Hitchcock. Grace se desculpa e cita suas 'obrigações' para dizer que não poderá fazer o próximo filme (presumo que 'Marnie', embora o título não seja citado). Já imaginaram o golpe de marketing do mestre do suspernse? A princesa de Mônaco no papel de uma ladra frígida que rouba para satisfazer sua necessidade irrealizada de sexo? Grace era uma mulher humorada. Sua carta é uma pequena obra-prima e, para mim, pelo menos, reveladora (sobre ela e o diretor). Diz que adoraria voltar ao 'curral' de Hitchcock, numa referência ao que ele dizia sobre os atores de seus filmes (que eram 'gado'). Grace lembra o convívio feliz nos filmes que fizeram juntos, faz algumas referências a 'Ladrão de Casaca', que devia ter um peso especial para ela porque, afinal, foi durante a filmagem que, na Côte d'Azur, conheceu o príncipe Rainier. A carta é redigida a máquina, mas o texto parece tão pessoal que dificilmente alguém escreveria aquilo, simplesmente para ela assinar. Grace lamenta, mas sabe que outra vai substituí-la no curral - foi Tippi Hedren -, e termina pedindo que Hitchcock não se esqueça dela e a considere sempre uma de suas 'sacred cows' (o sagrado aqui é mais no sentido de 'devoção', a vaca é mais devotada do que sagrada). A resposta de Hitchcock é redigida do próprio punho. Um texto afetivo. Ele diz que sabe que ela tomou a melhor decisão, mas também gostaria de retomar o convívio. Hélas... No P.S., Hitchcock manda o recadinho de Alma, sua mulher, com recomendações caseiras para a princesa de Mônaco. Hitchcock e Alma viraram sinônimos de suspense, crimes violentos etc. Essa simples troca de correspondência, tão terna, me pareceu tão inusitada que parei um tempão olhando aquelas assinaturas.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.