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Uma geléia geral a partir do cinema

Um evento feliz

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Encontrei-me com Rémi Bezançon em Paris, após o Festival de Cannes, em maio. O encontro organizado pela Unifrance era para falar sobre a animação dele (com Jean-Christophe Lie) Zarafa. Abro um parêntese. Estamos em meados de setembro, a pouco mais de três meses do final do ano. Os dois maiores eventos de cinema do País estão para começar - o Festival do Rio e a Mostra de São Paulo. Ambos trazem sempre novidades, apontam caminhos. Se me pedissem hoje para escolher os melhores do ano, faria uma lista bem sucinta - dois filmes brasileiros, O Som ao Redor e Faroeste Caboclo, um argentino, Las Acacias, uma animação francesa, Zarafa, um drama histórico americano, Lincoln, e um blockbuster, que a despeito de todos os efeitos e explosões, é o filme mais intimista do ano, Man of Steel. Rémi Bezançon é jovem, inteligente, talentoso. Quando lhe fiz algumas perguntas sobre a autoria de Zarafa - e alguns temas do filme -, ele percebeu imediatamente que não conhecia sua obra. Gostaria de voltar a falar com ele. Hoje, agora. Sinto como se o conhecesse mais um pouco. Acordei hoje às 5h45. Ao invés de ir ao banheiro, fui à sala e olhei pela janela. O dias começava a amanhecer. Havia uma luz silenciosa, menos Carlos Reygadas e mais Michelangelo Antonioni. As auroras de Antonioni. Havia como que uma bruma (poluição?) envolvendo a cidade e o cinza dominante era quebrado pelos pontos de luz. Achei tão bonito que fiquei olhando. Mecanicamente, liguei a TV e parei no Cinemax, que exibia um filme sobre um jovem casal. A mulher havia acabado de dar à luz e ela e o marido assumiam canhestramente a maternidade. O choro do bebê, as noites em claro, a amamentação. O casamento desintegra-se, os dois se acusam, não fazem mais sexo. O marido dá duro no trabalho, vive exausto porque não dorme à noite. A mulher acha que ele não a valoriza. Dão-se um tempo. Ele fica com a criança, assume a duplas jornada. A mulher, no seu isolamento, pensa. Interrompeu sua tese de filosofia. Chega a conclusão de que a leitura dos mestres não a aparelhou para a vida, mas a cultura está lá, acumulada. Escreve um romance sobre a experiências mulheres de sua geração, pós-feminista. Todas aqueles palavras de ordem, tantos (pre)conceitos. Ser contra o sistema, dar o peito, respeitar o bebê. Não, ele não pode ficar chorando no berço. Precisa sempre de atenção imediata e integral. Estarei fazendo a coisa certa? Estaremos? Não conseguia desgrudar o olho, até porque os atores que fazem o casal, Louise Borgoin e Pio Marmai, são de uma beleza magnética. No final, descobri que era Um Evento Feliz e o diretor, Rémi Bezançon. Entendi melhor o tema da maternidade e do comprometimento do garoto na animação. Não sei se o Evento é tão bom como me pareceu ser, mas não queria mais que terminasse. Certos filmes me causam essa impressão. São fatias de vida. Fico pensando que gostaria de reencontrar os personagens daqui a alguns anos, com a filha crescida, como estamos fazendo com Ethan Hawke e Julie Delpy na série de Richard Linklater. Meu coração de estudante explodiu de júbilo. Mais que nunca, Zarafa tem cadeira cativa nos meus melhores do ano. Ah, sim, fui pesquisar e descobri que Marmai é ator-fetiche do diretor e está também em O Primeiro Dia do Resto da Vida.

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