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Uma geléia geral a partir do cinema

Tropa de Elite ou Clube da Luta?

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

RIO - Desculpem-me, mas tive ontem um dia agitado e terminei chegando ao Cine Odeon BR em cima da hora da abertura do Festival do Rio 2007. É verdade que houve um atraso considerável, além das trapalhadas de praxe no palco. Mariana Ximenes, co-apresentadora (com Ney Latorraca), não conseguiu dizer 'consolidar' (deve ter sido praga dos concorrentes - a frase dizia que o Rio está consolidado como palco do maior evento de audiovisual da América Latina) e o próprio Ney, ao anunciar a realização do Market Rio, o maior mercado de filmes do País, começou a falar americanizado, o que foi hilário. Mas tudo isso é perfumaria. O que importa é Tropa de Elite. Antes da exibição do filme de José Padilha, Walkiria Barbosa, uma das diretoras-executivas do evento, transformou a inauguração do festival num ato contra a pirataria. "Assim é que se vê um filme", ela apontava para a tela (o que não deixa de entrar em contradição com sua defesa da convergência de mídias, que é o tema dos debates deste ano). Mas a mensagem foi clara - pirataria é crime, ver DVDs piratas é estimular o crime. É a mesma tecla do discurso de José Padilha em Tropa de Elite. A polícia faz o serviço sujo da classe média, que quer segurança, mas é o topo da pirâmide social brasileira que alimenta o tráfico, consumindo drogas. Ponto a favor do diretor, mas eu não fiquei muito empolgado com Tropa de Elite, não. Padilha talvez quisesse fazer um filme crítico, mas como não se pode prever a reação da platéia, o público, até naquela sessão, queria ver sangue. Bandido bom é bandido morto. Na saída, a caminho da festa, peguei um táxi e o motorista me disse que aquela é a realidade do Rio. Não é, não. O filme é uma obra de ficção, com muita coisa inverossímil, mas cabe destacar - Tropa de Elite pode espetacularizar a violência (existe o verbo?), mas é espetacularmente realizado. A fotografia de Lula Carvalho é genial, a montagem de Daniel Rezende é coisa de louco e Wagner Moura é poderoso. Tudo 10. Mas tem uma coisa que me me incomoda no cinema de Padilha, seja no documentário ou agora na ficção. No Ônibus, ele colocava todos aqueles especialistas para falar, o que transformava o filme numa aula - a gente não tinha nem tempo de pensar, tudo já vinha digerido, numa só direção. Agora, o discurso em off de Wagner Moura, o capitão, nos coloca em outra direção e tudo o que ele diz sobre como funciona 'o sistema', na verdade legitima as ações sangrentas do BOPA (e aí não se pode dizer que as reações do público não tenham sido direcionadas pelo cineasta). Vamos ter de falar muito sobre Tropa de Elite, mas quero destacar 2 pontos. 1) O filme estréia hoje em Jundiaí, aí em São Paulo, em uma sala apenas, para cumprir o rito que o habilita a concorrer a uma vaga no Oscar de melhor filme estrangeiro (a Academia exige que os indicados tenham estreado no país de origem até uma certa data). No palco do Cine Odeon, Padilha agradeceu o apoio de Harvey Weinstein, ex-Miramar, que foi o cara que bancou Cidade de Deus nos EUA, levando Fernando Meirelles a concorrer ao Oscar de direção. 2) Não sei se alguém já escreveu isso, porque tenho ficado meio à margem da polêmica de Tropa de Elite (agora vou para a luta), mas Padilha fez O Clube da Luta em versão nacional (quando comentei com Bruna Lombardi, a quem encontrei brevemente, ela sacou logo o machismo, mas não apenas isso) e filtrou com Butch Cassidy. O quê? Há um tiro decisivo no fim de Tropa de Elite, que Padilha não mostra (só o som) e era exatamrente como ocorria no desfecho do western de George Roy Hill, com Paul Newman e Robert Redford. Lembram-se? Os dois saíam da igreja correndo, para a morte certa. A câmera os imobilizava e ouvia-se a fuzilaria na trilha. Havia lá um motivo (estético e outro moral) para não mostrar a dupla metralhada, como Arthur Penn fez com Bonnie e Clyde no seu filme sobre a dupla de gângsteres. Não é muito diferente dos motivos que levam Padilha a repetir o procedimento em Tropa de Elite. Vamos ter de falar muito sobre esse filme.

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