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Uma geléia geral a partir do cinema

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

RIO - Havia visitado o set de Entre Nós, o longa de Paulo e Pedro Morelli, em São Francvisco Xavier, um platô na montanha, com uma vista espetacular. Assisti à filmagem de uma cena importante - um grupo de amigos enterra uma caixa contendo cartas que escreveram para eles mesmos e que serão lidas daqui a dez anos. Na ficção, as cartas lidas revelam dramas profundos (uma tragédia) que remontam ao passado, àquele mesmo dia, quando um dos amigos morre num acidente de carro. Foi muito interessante ver ontem à noite, na Première Brasil, o filme pronto, e o uso que ois Morelli, pai e filho, e seu diretor de fotografia, Gustavo Hadba, fazem da paisagem. Existem muitos momentos fortes em Entre Nós, mas meu favorito, que me tocou com uma intensidade rara, que não consigo nem explicar, é entre Martha Nowill e Paulo Vilhena. Ele se chama Gus e vive à deriva, abandonado pela mulher amada, que o 'trocou' por outro integrante do grupo (mas Carolina Dieckman não está feliz). Gus vai assar um pernil, a carne queima. Martha faz uma observação trivial - que merda. Gus pessoaliza, diz que sabe que é um merda, uma piada. Ela tenta segurar a onda do amigo, que desaba - 'Que é isso, cara?' É uma cena que começa banal, talvez divertida, mas ganha intensidade, expõe a dor que ambos sentem. Gosto do elenco todo, e Carolina atriz é um assombro, além daquela beleza toda, mas a Martha Nowill... Estou rendido. Que mulher é essa? 'Fofa? Sou é gostosa, porra', vocês vão entender quando virem. Paulo Morelli escreve, dirige e produz. E ele chamou o filho Pedro para codirigir. Pai e filho disseram que é um filme sobre a amizade. Não creio muito - a amizade é a ferramenta para que eles falem de traição. A traição dos ideais, as traições a nós mesmos e aos outros. O ano é 2002, a era Lula está começando e eu tenho a impressão de que, de forma muito íntima, Paulo e Pedro Morelli dão um testemunho importante (e sincero) sobre o Brasil dos últimos 20 anos. Tenho visto muitos filmes, feito muitas entrevistas. Ontem, entrevistei Lee Daniels e Amat Escalante. Daniels foi ótimo. Me abraçou quando disse que não gostava de Precious e que Obsessão/The Paperboy, que estreia hoje, é no mínimo melhor. Ele acha que é o melhor filme dele, melhor que O Mordomo da Casa Branca, que o trouxe ao Rio e do qual ele também gosta mais que de Precious. Daniels foi genial. Como se sobrevive negro, pobre e gay na periferia de Filadélfia, que, segundo ele, é a região mais violenta dos EUA? Leiam a entrevista do Caderno 2. Daniels citou Billy Wilder sem se referir ao mestre. Disse que, depois de Precious, houve um clamor para que ele transformasse na voz negra da América. Ele não quis. Prefere ser uma voz sem etiqueta de reserva racial e, por isso, fez Obsessão, mesmo sabendo que ia dividir o público e os críticos. Billy Wilder - ninguém é perfeito. A imperfeição humana é seu material. Nicole Kidman faz a personagem mais vulgar de sua carreira. Tem uma cena de sexo na cadeia com John Cusack. Ela fez a cena abrindo as pernas provocadoramente, a boca, mas uma boquinha. Não, não, quero uma boca de cadela faminta de sexo, e Lee Daniels me mostrou a boca que queria. Temo, contando isso, transformá-lo num tipo folclórico. Ele é muito articulado e 'sabe'. Vem de um tempo em que negro tomava água separado dos brancos em lugares públicos e tinha de viajar na parte traseira dos ônibus, porque a dianteira era reservada aos brancos. Ah Deus. Emendei alhos com bugalhos. Volto a Entre Nós. Vou fazer a mediação do debate, à tarde. Sinto-me privilegiado. Já fiz a mediação do debate de O Homem das Multidões e, para mim, são os melhores filmes da Première Brasil, até agora. Vou voltar a Entre Nós. Amanhã, ocorre aí em São Paulo a coletiva de lançamento da Mostra. O Rio já fechou a primeira semana e se encaminha para a segunda (e final). Houve mais percalços do que seria desejável, mas os filmes, os debates, os convidados compensam a confusão na Cinelândia, o fechamento temporário do Odeon e as dificuldades de acesso ao Píer Mauá, onde está instalado o Pavilhão do Festival. Já falei tudo de bom que podia de Um Estranho no Lago. Continua sendo um highlight para mim, mas acrescento Salvo e o Alfonso Cuarón, Gravity, mais os dois brasileiros, O Homem das Multidões e Entre Nós. Com todo respeito por Lina Chamie, o filme dos Morelli é Os Amigos que deu certo. São, hoje, os meus top 5 do Rio. E, para que vocês fiquem espertos, Salvo já estreia na sexta que vem. Aleluia!

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