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Uma geléia geral a partir do cinema

Solidário até a morte

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Fui ver ontem o experimento estético de Daniel Filho e gostei de Sorria, Você Está Sendo Filmado. Gostei do ângulo estático, do falso plano-sequência, das piadas (e das observações comportamentais), do elenco (Susana Vieira e Marcos Caruso roubam a cena, mas Lázaro Ramos também é ótimo). Aproveitei para jantar com meu amigo Dib Carneiro no japonês do Frei Caneca e, entre um saquê e outro, ele me contou que Marcelo Lyra, com quem trabalhamos no Estado, publicara em seu blog, ou em seu Facebook, sei lá, um desabafo contra a turma da Folha, porque enchera Os Vingadores - Era de Ultron de estrelas e caíra matando em Casa Grande, de Fellipe Barbosa. Confesso que, no Recife, já não gostara quando Jefferson De, querendo defender o mercado para o produto nacional, atacara a maciça ocupação das salas pela mega-aventura de Joss Whedon. Ocupar, resistir - sou a favor, só não falem mal de Vingadores, porque me encrespo. É bom demais. Quando fiz minha ressalva para o Jefferson, ele compreendeu perfeitamente - já somos bróders no amor por Antoine Fucqua, talvez venhamos a ser no por Joss Whedon, também. Houve, a propósito, um bate-boca nos EUA entre Robert Downey Jr., o Homem de Ferro, e o diretor mexicano Alejandro González-Iñárritu, que venceu o Oscar deste ano por Birdman. Iñárritu disse que os filmes de super-heróis são m..., que compõem um caso de genocídio cultural e distanciam o público de vivenciar a experiência humana no cinema. Eu discordo. Acho que o que há de bacana nos filmes de Joss Whedon, Christopher Nolan e Zach Snyder é que encaram a crise contemporânea e fragilizam os heróis, que como os semideuses da mitologia grega passam por experiências bastante traumáticas. É o oposto do que vejo em Birdman, com aquele personagem miserável de Michael Keaton que mentaliza poderes e, no desfecho, morre metaforicamente para renascer como pássaro, através do olhar da filha. Aquilo me deixa indignado, me ofende e é o oposto do olhar de Kevin Costner vendo seu menino brincar de super-herói, com a capa de mentira, no desfecho de Superman. Mas Marcelo Lyra tem razão. Outro dia, na reunião de pauta do Caderno 2, os jornais, incluindo o Guia da Folha, estavam sobre a mesa e fui conferir o quadro de cotações. Fiquei consternado. Ou eles ou eu não entendemos nada de cinema - pode até ser que todos -, mas despachar Casa Grande como sociologia barata, como fez um dos luminares, foi demais para mim. Irritei-me, mas resisti a publicar algum desaforo no blog. Faço-o, agora, em solidariedade ao Marcelo Lyra, mesmo sem ter lido o comentário dele, mas só elogiar o Fellipe Barbosa - o melhor filme brasileiro do ano, o melhor de muitos anos, conforme a frase minha incluída na propaganda -, já me satisfaz. E confesso-me numa armadilha. Essa história de ocupar e resistir, de defender mercado para o cinema brasileiro mas reconhecer que certos fazedores de filmes de super-heróis são grandes artistas - e pensadores da arte e do mundo contemporâneos -, cria contradições que, às vezes, me parecem insuportáveis. Mas não posso, não consigo abrir mão delas. No 'meu' cinema, como o vejo, a autoria é sagrada, mas não é coisa só de autor miúra. Está nos Kubricks e em todos essas caras que, a despeito dos grandes orçamentos, brigam para impor sua marca aos filmes, dialogando com grandes audiências. Acho até que o desafio contemporâneo visceral é esse diálogo/integração entre alta e baixa cultura. De que outra maneira ver a monumental série O Senhor dos Anéis, que Peter Jackson adaptou de JRR Tolkien? Adoro ver quando filósofos põem Aristóteles e Platão no caldo de Woody Allen e encontram todo o pensamento ocidental nas entrelinhas da série Matrix. Nunca vi nenhum dos cretinos atacar esses filmes com alto nível. Só banalidades e observações rasteiras. Estão perdendo o bonde, os pobres.

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