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Uma geléia geral a partir do cinema

Ritt foi a consciência de esquerda em Hollywood

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Marcelo Magalhães conta que ficou impressionado com 'O Espião Que Saiu do Frio', de Martin Ritt. Impressionado fiquei eu quando assisti ao filme na estrteia brasileira, acho que em 1967.  A produção é do ano anterior e, naquela época, os filmes demoravam mais para chegar ao circuito, talvez porque hoje ele seja formatado para a produção de Hollywood e, naquele tempo, o mercado do Brasil abrigava filmes japoneses, suecos, italianos, franceses etc. Em 66/67, James Bond já vivera quantas vezes - duas? três? - e aí, com base em John Le Carré, vinha o Martin Ritt com aquela (anti)aventura de espionagem, grave, densa, desmistificadora e o preto e branco do filme era deslumbrante, como já havia sido o de 'O Indomado'. No Dicionário de Cinema, Jean Tulard lembra que Ritt entrou para a lista negra do macarthismo e foi lecionar no 'Actor's Studio', onde foi professor de James Dean. Gosto muito de 'O Indomado', que descobri na TV paga - a cena da matança do gado é impressionante; no cinema, não me atingira tanto -, e do 'Espião - Burton é magnífico e o filme tem Claire Bloom, só isso já o torna admirável, mas o 'meu' Martin Ritt começa com 'Hombre' e prossegue com 'Sangue de Irmãos', 'Ver-Te-Ei no Inferno', 'A Grande Esperança Branca' e 'Sounder', Lágrimas de Esperança. 'Ver-Te-ei', The Molly Maguires, é o filme mais radicalmente político de Hollywood numa fase tão inflanada quanto foi o final dos anos 1960. E o plano sequência inicial! Scorsese e o fotógrafo Michael Balhaus o viram, com certeza, antes de criar a abertura de 'Os Bons Companheiros'. James Earl Jones e Jane Alexander me encantam em 'A Grande Esperança Branca' e Sounder, o cachorrinho daquela família negra e pobre, é a Baleia de Hollywood. Lembram-se da cachorro de 'Vidas Secas'? A decadência de Sounder, alquebrado, serve de metáfora para a situação dos negros e tanto 'A Grande Esperança' quanto 'Lágrimas' são marcos, para mim, da luta de Hollywood contra o racismo. Martin Ritt, por sua generosidade e engajamento político, representou a consciência de esquerda em Hollywood. Não gosto muito de 'Conrack' nem de 'Stanley e Íris', mas Woody Allen nunca foi melhor ator do que dirigido por Ritt em 'Testa de Ferro por Acaso'. E nenhum outro diretor do cinemão falou de religião como ele. O padre faz um sermão contra os revolucionários em 'Molly Maguires'. A mãe ergue o dedo acusador contra Deus porque seu filho está morrendo em 'Reencontro de Amor', Pete'n'Tillie'. E em 'Lágrimas', a velha igreja está fechada para os negros. Tem um filme de Ritt que adoraria rever. 'As Quatro Confissões', The Outrage, baseia-se em 'Rashomon', de Akira Kurosawa, cuja ação é transposta para o western. Lembro-me de imagens - a fotografia é em preto e branco - e Edward G. Robinson faz o narrador que 'filosofa' sobre os acontecimentos. Paul Newman estuprou Claire Bloom? E por que o marido dela, Laurence Harvey, não reagiu? Toda verdade é relativa, ou não? Os fatos comportam múltiplas versões, segundo o ponto de vista dos participantes. O filme não dispõe de muito boa reputação, mas gostaria de rever. Mesmo.

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