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Uma geléia geral a partir do cinema

Rever Visconti

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Fiz para o online uma matéria sobre o ciclo Pandora 30 Anos, no Belas Artes. A distribuidora de André Sturm surgiu em 1989, com o objetivo declarado de trazer para o Brasil o que de mais avançado se produzia no cinema mundial e resgatar, em cópias restaurados, os grandes clássicos da história do cinema. Esperava poder emplacar, no impresso, neste sábado, um texto sobre a mostra, mas não deu. Vamos de blog. Justamente hoje, às 2 da tarde, passa As Bicicletas de Bellevue, e a animação de Sylvain Chomet fez grande sucesso, no começo dos anos 1990, quando eu ainda engatinhava em São Paulo, no antigo Belas Artes. Às 5, com música ao vivo, passa Trainspotting, de Danny Boyle. O filme, na época, fez sensação com seu retrato das drogas e a viagem pelas mentes chapada de seus personagens. Havia pedido, na quinta, que o pessoal da Pandora me enviasse os detalhes do concerto - a trilha foi criada especialmente, e a banda formada, para essa apresentação. VI - ontem - que o e-mail chegou, mas não li e agora não estou conseguindo acessá-lo. Fica, de qualquer maneira, o chamado. Não, chamado não, que horror. Vejam Trainspotting com música ao vivo e depois vejam também Yesterday, com a viagem de Boyle pelo universo dos Beatles. Quando vi Yesterday há algumas semanas, o filme me produziu o maior bode. Fiquei mal, mas devo ter visto de um jeito muito atravessado (equivocado?), porque em todo o mundo o efeito é inverso. As pessoas estão amando, me diem que saem leves e soltas, cantando, do cinema. Vou ter de rever. E a mostra da Pandora ainda tem, neste sábado, às 7, Luchino Visconti - Morte em Veneza. Thomas Mann com trilha de Mahler. Em Veneza, assolada pela peste, o músico Aschenbach vive um momento de intensa crise. Perdeu a filha, o casamento ruiu, é um homem solitário cuja mais recente composição não teve acolhida do público nem da crítica. Um homem soçobrado, emocionalmente. Nesse quadro, ele identifica num garoto de beleza andrógina, Tadzio, um ideal estético. Veneza, a peste, o calor, a maquiagem de Aschenbach que derrete sob o sol, e Tadzio naquela praia. A luz que sufoca Dirk Bogarde emoldura e cria uma aura em torno de Bjorn Andresen, o adolescente (sueco) que Visconti elegeu para ser seu Tadzio. Até onde me lembro, e já se passaram quase 50 anos - o filme é de 1972 -, Bjorn nunca mais fez nada de cinema. Estética ou homossexualidade? Estética E... É um filme sobre o qual nutro sentimentos contraditórios. É belíssimo, impossível negar, mas também é um filme de crise para Visconti. Batendo nos 70, seu envolvimento com Helmut Berger foi fatal para ele. E havia a questão política, o naufrágio da esquerda no pós-68, o advento do terrorismo e o ressurgimento do fascismo, que Pier-Paolo Pasolini não cessava de fustigar. Sempre senti, e me incomodou, um certo miserabilismo íntimo de Visconti, sua tragédia íntima de gay velho (com todo respeito) que antecipa a derrocada do próprio mundo. Se estivesse em São Paulo, veria hoje Morte em Veneza. Vejam por mim. Em Veneza, certa vez, entrevistei James Ivory no Hotel des Bains. Ivory, também com todo respeito, era uma velha dama. Estávamos sentados de frente para a abertura do grande salão e eu, sei lá, disse que conseguia ver Silvana Mangano, como a mãe de Tadzio, entrando com aquele figurino (inspirado no da mãe do cineasta) e filmada no meio das flores. A 'dama' subiu nas tamancas. Ivory detestava Visconti, talvez por, em seu detalhismo, ter sido muitas vezes comparado a um Visconti menor. Nunca esqueci da minha briga com James Ivory, mas ele possuía um argumento forte - Visconti escolhia elencos internacionais e suas filmagens eram verdadeiras 'babeis'. Os atores falavam diferentes línguas e depois ele dublava. Tem gente que me diz que a interpretação de Annie Girardot como Nadia, em Rocco e Seus Irmãos, não pode ser a maior da história do cinema, como acho, porque ela foi dublada em Italiano. Foi o que me disse o próprio Ivory. Por que estou lembrando isso? Velhos, mesmo quando não de forma nostálgica, adoram viajar nas lembranças. Mas o que quero é aumentar o desejo de meus (possíveis) leitores. Revejam o Visconti.

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