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Uma geléia geral a partir do cinema

Regente da ópera, George Miller vai presidir Cannes

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Está sendo um ano, na verdade, um biênio - 2015/16 -, glorioso para George Miller. Aos 70 anos, pois nasceu em 1945, o mesmo ano que eu, o diretor australiano conseguiu concretizar um projeto há muito sonhado e retomou seu personagem de Mad Max em A Estrada da Fúria. O filme, operístico, intenso, feminista - a Furiosa de Charlize Theron vira protagonista, usurpando o posto de Tom Hardy, o sucessor de Mel Gibson -, está indicado para os Oscars principais e não poucos, incluindo Quentin Tarantino, o consideraram o melhor do ano passado. Em Cannes, exibido Mad Max fora de competição, numa gala concorridíssima, George Miller foi aplaudido de pé. Espaços em conflito, o futuro pós-apocalíptico, o deserto da Namíbia, o inferno na Terra. Não creio que Miller vá ganhar o Oscar, mas é que o tipo de cinema de ação que ele faz raramente é considerado artístico. Só o dos grandes mestres do passado. Mas Cannes vai agora fazer justiça para o visionário criador de Mad Max. Vai estender-lhe seu tapete vermelho. George Miller presidirá, em maio, o júri do maior festival de cinema do mundo. Ave, George. Até onde sei, o presidente escolhe seus jurados com a direção do festival, ou tem poder de veto, já que, sendo uma celebração, não faria sentido ele viver indisposto com seu grupo. Isso até pode ocorrer, no processo. Integrei o júri da Caméra d'Or e, embora não estivesse lá como representante do cinema latino-americano - bem, talvez -, chocava-me a ausência de sensibilidade dos irmãos Dardenne para nossa cultura continental. Foi preciso Dois Dias e Duas Noites, e Marion Cotillard, para que, no íntimo, me reconciliasse com Jean-Pierre e Luc. Quem serão os jurados de George Miller? Ele bem poderia chamar Charlize, sua magnífica atriz, até como desagravo à ausência dela entre as indicadas para o Oscar. Não sei se isso é possível. Charlize já foi garota L'Oréal e hoje é a cara da Dior, J'Adore. E a L'Oréal patrocina o festival. Acho mais difícil ainda termos um Mel Gibson, porque, no afã de defender a Paixão do seu Cristo, ele fez declarações consideradas racistas, antissemitas, em Hollywood. Rolou ladeira abaixo, mas vocês viram como foi aplaudido (ele ou o filme?) ao apresentar A Estrada da Fúria no Globo de Ouro... Conhecemos os filmes de George Miller, mas não, necessariamente, seus gostos. No ano passado, os irmãos Coen premiaram Dheepan, de Jacques Audiard, e foi uma das Palmas mais discutidas da história, pelo menos no dia seguinte, na imprensa. Parte dela preferia O Filho de Saul, que ganhou o prêmio da crítica. Outra parte, eu!, torcia por Hou Hsiao-hsien e seu deslumbrante The Assassin. Tarantino, na presidência do júri, premiou Michael Moore, um gesto político contra o então presidente George W. Bush, que tentava o segundo mandato. Mas Tarantino não assumiu que assim fosse, e fez uma defesa estética insustentável de Fahrenheit 11 de Setembro. Não sei nem que filmes teremos este ano na seleção de Cannes. Algum brasileiro? O Circo Místico de Cacá Diegues? Na semana que vem, começa a Berlinale e só depois vão pipocar as especulações sobre Cannes. Mas com George Miller, um diretor de ação clássico e pop, o festival dificilmente deixará de dar o que falar.

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