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Uma geléia geral a partir do cinema

Quatro casamentos e um funeral (o de Moro)

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Ia deixar para postar amanhã, mas aí voltei ao computador para o post sobre Francis Ford Coppola e aproveito para acrescentar mais um. Vivi agora de noite uma experiência disparatada. Zapeando pelos canais da TV paga, assisti ao final (uns 15/20 minutos) de Quatro Casamentos e Um Funeral, comédia de Mike Newell que consagrou Hugh Grant e a chamada 'produção independente'. No Brasil, lembro-me que o filme foi distribuído pela PlayArte, que também lançou O Máskara, com Jim Carrey. Foram dois filmes, duas comédias, uma romântica, a outra de aventuras, que deram rios de dinheiro em todo o mundo e a grande indústria, claro, abriu o olho, criando mecanismos para garantir que esses sucessos à margem dela não mais ocorressem. O resultado é que, às vezes, temos bons (ótimos) filmes que nos fazem acreditar de novo nos indies - este ano foi Pequena Miss Sunshine -, mas eles não estouram mais, ficando como sucessos de 'prestígio'. Acho Quatro Casamentos legal. A cena da igreja, quando o mudinho interrompe a cerimônia de casamento e pede que Grant traduza o que ele está dizendo (e é o que Grant está pensando, diga-se de passagem), não é só divertida como é metaforicamente muito interessante, pelo que diz sobre o próprio cinema. Um cara que traduz o que está pensando e vira imagem por meio de outro, que usa só os gestos - sacaram? É muito inteligente. Terminado Quatro Casamentos, dei outra zapeada e estava começando no Telecine Cult Bom-Dia, Noite, do Marco Bellocchio. Havia gostado (muito) do filme, quando estreou nos cinemas. Agora, fiquei siderado, talvez porque tenha visto recentemente Batismo de Sangue, do Helvécio Ratton, sobre os dominicanos e a luta armada no Brasil. O filme vai estrear em breve e você vai ver - é cheio de boas intenções, mas também é maniqueísta a mais não poder, encarando o assunto numa perspectiva de época. Sou crítico da globalização, dessas economias neoliberais, mas se há uma coisa que não quero é ficar no passado, chorando como éramos melhores, nós que amávamos a revolução. Quero mais é lutar para que um novo mundo seja possível e acho que este também é o ponto de filme do Bellocchio. Até parei de redigir o post e fui ao Dicionário de Cinema do Jean Tulard para conferir o que diz sobre Marco Bellocchio. Com ele (Bellocchio), diz Tulard, a contestação vira arte cinematográfica. Tulard fala de De Punhos Cerrados e A China Está Próxima, mas se o seu livro estivesse atualizado e incluísse Bom-Dia, Noite - o último Bellocchio citado é O Príncipe de Hombourg, de 1995 -, sua afirmação seria, mais que nunca, verdadeira. Algo muito sério ocorreu na Itália, nos anos 70, quando as Brigadas Vermelhas seqüestraram o presidente da Democracia-Cristã, Aldo Moro, e o submeteram a um tribunal revolucionário que o condenou à morte. Tudo o que ocorreu na Itália, depois disso, incluindo a ascensão de Silvio Berlusconi e a midiatização da direita, tem a ver com a justiça proletária daquele bando de celerados que fez o que próprio Moro prevê num diálogo - forneceu o mártir que a direita necessitava para mobilizar a opinião pública contra o pensamento de esquerda. A derrocada do bloco comunista fez o resto. Bom-Dia, Noite é maravilhoso, feito numa perspectiva atual. Olha criticamente o passado, contextualiza (e nos permite entender) o que ocorreu, mas seu compromisso não é com o ontem. Fiquei chapado com Bom-Dia, Noite. Tenho falado muito, aqui no blog, de Visconti, de Rossellini, de Pasolini e Bolognini. Lamentei, profundamente, a morte de Comencini, vendo nela o adeus a um certo cinema italiano que me apaixonava - no caso dele, especificamente, suas filhas (e Francesca Comencini, em especial) mantêm a vertente política, mas não é tão boa quanto o velho Luigi. Temos tido bons filmes de Nanni Moretti, de Gianni Amelio e algum outro que estou esquecendo e vocês vão me lembrar, tenho certeza. Mas nenhum como Bellocchio e seu Bom-Dia, Noite. Que filmaço!

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