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Uma geléia geral a partir do cinema

Onde andará o Professor Sinigaglia?

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

De que recôndito do meu inconsciente estará vindo esse post? No outro dia, em conversa pelo telefone com meu amigo goiano, o Zé Mário, ele falou sobre seus filmes preferidos. Citou A Viagem do Capitão Tornado e O Incrível Exército de Brancaleone. Zé Mário é professor de teatro para adolescentes, contador de histórias. Como Zé do Conto, pode ser encontrado na internet. Fiz logo um clássico do dia sobre o Ettore Scola, porque também gosto demais do Capitão Tornado. Sigognac! Também pensava em fazer outro clássico sobre o Mario Monicelli, mas não seria o Brancaleone. (Interessante como os dois filmes do Zé dialogam entre si, têm tudo a ver - com ele e com uma tradição que remonta ao teatro popular, ao circo, aos palhaços e à commedia dell'arte.) Na verdade, pensava em outro Monicelli, que seria muito apropriado para esta sexta, 1.º de maio, Dia do Trabalho (e do trabalhador). Simplesmente perdi a data. Tenho feito todos esses Clássicos do Dia - ontem acrescentei mais dois à série. King Kong foi um, o outro... Queria um filme com a Garbo, mas hesitava entre o Rouben Mamoulian, Rainha Cristina, e o George Cukor, Camille, que são os maiores, mas terminei me decidindo por Grande Hotel. Se há um filme que resume em si mesmo o glamour da era de ouro dos grandes estúdios, é o Edmund Goulding, na Metro, com aquele ônibus de astros e estrelas - Garbo, Crawford, os Barrymore (John e Lionel), Wallace Beery, etc. Garbo e Crawford tinham 26 anos cada. Garbo era a classe, a esfinge. Crawford, como dizia Pauline Kael, era a sirigaitazinha sexy. A história sobre como Lucille La Soeur, seu nome verdadeiro, tornou-se estrela em Hollywood, nos thirties, é das mais interessantes. Mas eu divago. Volto a Monicelli e ao 1.º de Maio. Que outro filme seria mais perfeito nessa data que I Compagni, de 1963? No Brasil chamou-se Os Companheiros e estreou não lembro se pouco antes ou logo depois do golpe militar. Foi depois, agora lembro e digo por quê. Entrei em 1964 na universidade e, fosse por burrice da censura ou devido ao fato de que o regime estava mais preocupado em conter as pessoas na rua, Os Companheiros não só passou nas salas de Porto Alegre, como teve uma sobrevida no circuito universitário. As sessões no auditório da Faculdade de Arquitetura da UFRGS! A tradução é correta, mas no espírito do filme seria muito mais os camaradas, só que seria muita bandeira, coisa de comunista. Marcello Mastroianni, grandíssimo ator, mudava de papeis para fugir à imagem do macho, do galã. Barbudo, roupas larguíssimas, desleixado com o próprio corpo, era o Professor Sinigaglia. Em pleno alvorecer da Revolução Industrial, ele chega ao Norte da Itália. Veio para tentar organizar a massa dos trabalhadores, submetida a jornadas desumanas na indústria têxtil, onde as novas máquinas também produzem incontáveis acidentes. Mutilados, inválidos, escravos. Sinigaglia chega com um discurso de conscientização de classe. Marxismo básico, mais valia, essas coisas. Agrupa os homens - Renato Salvatori, Folco Lulli, Bernard Blier, pai do futuro diretor Bertrand. De novo, e com o mesmo fervor de Alain Delon em Rocco e Seus Irmãos, Sinigaglia descortina para a prostituta Annie Girardot essa ideia sonhadora de que uma outra vida, um outro mundo é possível. A repressão é duríssima, mas a semente, plantada em terra fértil, dará seus frutos - no futuro que nunca veio? Em A Classe Operária Vai ao Paraíso, de 1972, Palma de Ouro em Cannes - ex-aequo com O Caso Mattei, de Francesco Rosi -, o operário trabalha feito louco para ter acesso aos bens de consumo. Gian-Maria Volontè é quem faz o papel (e também é o Mattei de Rosi). O conceito sócio-político de alienação. Nesse 1.º de Maio, seria interessante voltar a esses filmes (nas plataformas de streaming?) e também rever algum Ken Loach, pode ser o mais recente, Você não Estava Aqui. Nesse momento de pandemia, o sacrifício que está sendo exigido de todos, mas principalmente da base da pirâmide social, exige um pacto que o governo, esse governo do 'eu' (eu quero, eu mando, eu sou a Constituição), não está disposto a fazer.

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