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Uma geléia geral a partir do cinema

O (verdadeiro) ensaio sobre a cegueira

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Havia visitado o set de Teu Mundo não Cabe nos Meus Olhos, o longa de Paulo Nascimento, em Porto Alegre. A história passa-se em São Paulo, numa pizzaria do Bixiga, mas o diretor (e produtor) é gaúcho e as internas foram feitas no Sul. As cenas que vi filmar foram as do hospital - Santa Luzia -, especializado em cirurgias dos olhos. Édson Celulari faz o piazziolo cego que, num momento de fragilidade - está sozinho na pizzaria, que é invadida por ladrões que abusam dele, chamam-no de aleijado de m... -, cede à pressão da mulher e faz cirurgia para recuperar a visão. No set, Paulo me havia dito que o filme não é sobre uma cirurgia, não importa se bem ou mal sucedida. Não tinha entendido direito, mas agora as coisas fizeram sentido. Vi o filme pela manhã e à tarde entrevistei o diretor e o elenco, a bela Soledad Villamil. Talvez tenha sido injusto com Sole. No ano passado, ela recebeu o Kikito de Cristal no Festival de Gramado, e me pareceu excessivo. O prêmio foi criado para recompensar uma personalidade que tenha contribuído, muito, para a arte, a indústria ou a reflexão sobre o cinema na América Latina. Sole já fez filmes importantes, de que gosto - dois de Juan José Campanella, O Mesmo Amor a Mesma Chuva e O Segredo de Seus Olhos -, lançou um disco só com composições dela. Por melhor que seja, ainda é pouco para um Kikito de Cristal. Fiquei até me sentindo culpado quando ela me contou que, naqueles dias em Gramado, viveu um sonho, como se estivesse permanentemente flutuando, a um metro do solo. E Sole tem momentos preciosos no filme. Até conversei com Paulo e Édson, com toda honestidade, que estou vivendo um inferno astral nesse 2018. Por motivos que não cabe explicitar, é como se meu mundo tivesse implodido, como se não coubesse mais nos meus olhos. O que comentei é que não sei mais quanto, ou se, isso está afetando meu juízo crítico. O filme de Paulo Nascimento é, no limite, sobre um cego que se recusa a ver. Paulo me explicou de novo - a origem de Seu Mundo não Cabe nos Meus Olhos está numa descoberta feita por sua parceira de produção. Cegos de nascença, submetidos a cirurgia regeneradora da vista, sofrem uma pressão tão grande que não se adaptam e muitos deles fazem outra cirurgia para reverter os efeitos da anterior. Não querem ver - por que têm medo? E Paulo ascrescentou que a história original que foi criando incorporou muito o que está se passando no mundo, no Brasil, até virar metáfora. Estamos vivendo uma forma de radicalização que, até certo ponto, pode ser considerada uma cegueira. Mentiria se dissesse que o filme não mexeu (muito) comigo. Soledad faz essa mulher que, face a tudo isso, num determinado momento, parece que vai partir, em busca de algo - o quê? Todo mundo no filme se transforma - olha o spoiler -, mesmo que, até certo ponto, seja para voltar ao início, quando as pessoas descobrem o que estão se arriscando a perder. Não chorei, mas achei tudo muito maduro, e triste (também!). Fiquei tocado. E mais ainda com o personagem de Leo Machado, o ajudante (gaúcho) do pizzaiolo. Ele é quase invisível, a bengala do outro - e eu que estou tendo de usar bengala! Leo cria um personagem tão compassivo. Achei seu melhor trabalho, e uma expressiva amostra do ator que ele pode ser. Tenho pensado muito nos filmes que tenhado visto e que me atingem, por que atingem. Revi outro dia na TV paga o Tropa de Elite 2 e me peguei pensando. Tropa 1 e 2 são filmes importantes, que repercutiram na vida social do País. A questão é - são bons, quanto gosto desses filmes? E aí fui ver o 7 Dias em Entebbe e as cenas de dança, mais duas ou três falas do personsagem do premier Yitzhak Rabin, me deixaram siderado como nenhum outro filme de José Padilha. Só sei que, nessa crise medonha, o cinema tem sido uma espécie de bússola. Estaria perdido sem os filmes.

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