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Uma geléia geral a partir do cinema

O 'meu' Preminger

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Antônio Gonçalves Filho já me havia cantado a bola de que a Cult Classics ia lançar 'Tempestade sobre Washington'. Abri agora o site da 2001 para uma consulta e vi que não apenas o clássico de Otto Preminger, mas também 'Terra Bruta', tema de um post anterior, já estão à venda. 'Tempestade sobre Washington', Advise and Consent, puta filme! Na obra de Preminger, situa-se entre 'Exodus' e 'O Cardeal'. São todos adaptações - de livros de Howard Fast, Allen Drury e Henry Morton Robinson. Ao longo de sua carreira, Preminger foi muitas vezes um adaptador. Como produtor, ele buscava seu material em textos (livros) preferencialmente polêmicos. A cada um, cada qual, seu Preminger. Sei que a maioria curte o autor noir de obras cultuadas como 'Laura' e 'Alma em Pânico'. Jean Tulard sustenta que ele teria se dado bem, se tivesse persistido no western, após 'O Rio das Almas Perdidas'. E todo mundo reconhece a força de seus musicais 'blacks', formatados para a glória de Dorothy Dandridge, de quem foi amante - 'Carmem Jones' e 'Porgy e Bess'. Preminger foi importante no processo de liberalização de Hollywood, tendo se batido, até na Suprema Corte, contra o Código Hays, em busca da liberdade de expressão. Isso fortaleceu nele o desejo de discutir a força das instituições no sistema democrático. Fez filmes sobre o Judiciário ('Anatomia de Um Crime'), o Legislativo ('Tempestade sobre Washington'), a Igreja ('O Cardeal'), o Exército ('A Primeira Vitória'). O próprio conceito de revolução inspirou a Preminger o belíssimo 'Exodus', que amo. Em todos eles, o conflito é sempre o embate entre o homem e a instituição - o velho revolucionário, tio Akiva, o velho cardeal, o John Wayne amputado de 'In Harm's Ways'. Todos eles são filmados sob uma luz particular que ressalta a solidão, a resignação. São homens que sabem o que perderam, quanto perderam. O 'meu' Preminger é o desses filmes grandes, que também são grandes filmes. Por volta de 1960, ele descobriu e adotou o formato Panavision. A tela ampla era a que lhe servia para contar essas histórias. Dentro dela, ele estabeleceu uma mise-en-scène baseada, como dizia, na história, nos atores e na câmera (nessa ordem). Ninguém, como Preminger, aprimorou a arte da narrativa com vistas à 'ambiguidade'. Seu ideal era uma escritura branca, na qual ele se anularia como autor, fornecendo ao público os elementos para que ele formasse opinião própria sobre os personagens e as situações. Mais democrático, impossível - mas Preminger sempre deixava clara sua perspectiva. Lembram-se da lata de lixo com a qual eram enquadrados os personagens de Lee Remick e Ben Gazzara em 'Anatomia de Um Crime'? 'Tempestade sobre Washington' debate o processo de confirmação, pelo Congresso, de um secretário de Estado. Charles Laughton faz o velho lobo do Senado, um político ladino e tão consciente da própria imagem que vai de ônibus para o Congresso, para estar mais próximo de seu eleitorado. Lá pelas tantas, o que se discute é o possível homossexualismo do candidato. A cena no bar gay fez história em Hollywood (e com certeza inspirou o Todd Haynes de 'Longe do Paraíso', tanto quanto os melodramas de Douglas Sirk). Na sequência, o homossexualismo na política voltaria em 'Vassalos da Ambição', que Franklin J. Schaffner adaptou da peça de Gore Vidal. Henry Fonda está nos dois filmes. Era progressista como o próprio Preminger. Seria bom se a Cult, ou qualquer outra empresa, também lançasse o filme de Schaffner. Há quem o prefira ao de Preminger, mas a mise-en-scène do segundo é insuperável. Em 1964, Preminger fez o que é reputado como seu último grande filme - 'Bunny Lake Desapareceu', retomando a vertente noir de 'Laura'. Ele ainda dirigiu mais seis filmes, abandonou outros tantos. Alguns possuem qualidades esparsas - O Fator Humano', seu último filme, baseado no livro de Graham Greene, vem sendo reabilitado -, mas de maneira geral os críticos se interrogam sobre o que teria acirrado a decadência de Preminger. Nunca ficou provado, mas ele poderia ter morrido de Alzheimer e o processo foi longo, lento e inviabilizou o criador.

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