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Uma geléia geral a partir do cinema

O descarnado Lagarce de Antunes, 'Eu estava em minha casa e esperava...'

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Confesso que tenho uma relação ambivalente com um dos ícones do nosso teatro, Antunes Filho. Completo em dezembro 30 anos em São Paulo, mas digamos que o teatro tornou-se mais regular, para mim, nos últimos dez, por aí. Não vou fazer nenhuma pesquisa, mas vi pouquíssima coisa dele que me tenha realmente encantado. Vi o Mahabarata como lição de casa, por conta do filme de Peter Brook, e aí faz certamente mais tempo. Gostei da Medeia,que tinha um Jasão de porte majestático, e do Veredas da Salvação, no qual Luiz Mello estava genial. (Anselmo Duarte considerava o filme que adaptou de Jorge de Andrade o seu melhor. E nunca perdoou Ely Azeredo, que, soube depois, foi seu grande inimigo no júri de Berlim. O jurado japonês foi lhe dizer depois que havia feito toda força para que ele vencesse o Urso de Ouro, mas o colega brasileiro derrubava todas as suas tentativas...) De volta ao Antunes, saí no meio de Blanche, sentindo-me ofendido com sua 'brilhante' ideia de substituir o verbo de Tennessee Williams por uma língua sem nexo que desenvolveu com seus atores. Achei o cúmulo de arrogância. Mas, enfim, acho muito interessante o fato de volta e meia encontrar o Antunes no teatro, vendo peças dos outros. Esta semana, mesmo, lá estava ele vendo o Robert Lepage - o que terá achado daquele imbróglio? É verdade que são peças produzidas e encenadas pelo Sesc, e o Antunes tem na unidade da Dr. Villanova a sua casa. Todo esse nariz de cera é para dizer que fui ver o Lagarce do Antunes - Eu Estava em Minha Casa e Esperava Que a Chuva Passasse. Jean-Luc (Lagarce) é o autor da peça em que Xavier Dolan se baseou para fazer É Apenas o Fim do Mundo, sobre o filho pródigo que volta para anunciar à família que está morrendo. Ódio contra Ódio. Gaspard Ulliel, Marion Cotillard, Nathalie Baye. Amo o Dolan, puta garoto talentoso (e bonito, ainda por cima), mimado por suas atrizes. Mommy! Eu Estava em Casa retoma o personagem do filho pródigo, mas agora a perspectiva é feminina. Penélope, a mulher que espera. Todas aquelas mulheres esperam o filho, o irmão. Ele não aparece, só seu efeito. A espera, e a morte, porque ele também está morrendo. Antunes está sempre experimentando, mas aqui tenho a impressão de que radicaliza. (Teve gente que saiu, não aguentou.) O cenário é formado só de cadeiras. Eugène Ionesno, 1952. Na peça As Cadeiras, o dramaturgo retrata a solidão de um casal de velhos no mundo despedaçado pela guerra. A tragicomédia da vida, o absurdo da existência. Eu Estava em Minha Casa, o espetáculo, tem concisos 1h10 de duração, pouco mais que a metade do aborre(s)cente Lepage. Viajei no texto, na encenação, tão descarnada, na interpretação. As atrizes, só mulheres, são cruas, mas o grito da garota, no desfecho, foi de arrepiar. Saí do teatro louco para conversar, mas estava sozinho. Caminhei meio sem rumo, e os passos me levaram para o baixo Centrão, passando por botecos e puteiros cheios e animados. A sensação de apesar de tudo, contra tudo (e todos), estar vivo. Alguém lá em Cima Gosta de Mim. Robert Wise, 1956. Somebody Up There Likes Me, aliás, Marcado pela Sarjeta. Jotabê Medeiros - quem não for batizado na sarjeta não vai conhecer a plenitude de viver. No palco, a filha mais velha abre a peça de Lagarce dizendo que estava em casa, esperando a chuva chegar. Lembrei-me de Paraíso, para mim a melhor peça de Dib Carneiro. Sempre lamentei que Gabriel Villela não tenha se interessado. O casal de velhos que espera. Ecos, para mim, de Hamaca Paraguaia, de Paz Encina (que o Dib não viu), de Enquanto a Noite não Chega, do escritor gaúcho Josué Guimarães (que ele não leu). O que esperam os velhos? Dib Carneiro adorou quando Antônio Abujamra anunciou que ia montar sua peça, mas começou a ficar inquieto quando Abu, dando uma de Ravengar, lhe disse que não gostava de encenar peças de autores vivos. Era sinal de que o encenador sabia que ele ia reclamar - claro, pouco ou nada havia da peça no palco. Dib brigou com a produção para que seu nome fosse retirado do espetáculo. A espera... O tema mexe comigo. Esperar, lembrar, viver.

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