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Uma geléia geral a partir do cinema

Neve

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

BERLIM - Aqui estou eu de novo na Berlinale, festival pelo qual tenho um carinho todo especial. Cannes eh o maior, o mais glamouroso; Veneza tem o Lido; e Berlim tem a dimensao politica, que vem, de certo, do fato de esta capital ter sido, durante decadas, o principal foco da tensao entre Leste e Oeste, entre comunismo e capitalismo. Quando consegui pegar minha credencial, ontem, jah era fim da tarde. Tinha de mandar materias para o jornal, o que fiz, e depois fui procurar alguma coisa para ver. Em versao original - os filmes aqui sao dublados -, encontrei somente A Rainha, do Stephen Frears, que revi com prazer renovado. Sempre achei que, apesar do titulo, o personagem que realmente interassa ao diretor eh o premier Tony Blair, a quem ele jah dedicou uma serie, ou minisserie, de TV. Nos anos 80, quando ainda estava construindo seu prestigio. Frears foi um critico acirrado da primeira-ministra conservadora Margaret Thatcher, a Dama de Ferro, que foi, com Ronald Reagan e o papa Joao Paulo II, uma das pontas do tripeh que levou aa derrocada do comunismo e aa consolidacao das economias neoliberais que dao as cartas no mundo globalizado. Pode-se imaginar a expectativa que Frears, e nao apenas ele, tinha por um premier trabalhista. Veio Tony Blair. O filme eh sobre a intransigencia da rainha Elizabeth II face aa dor de seu povo, diante da morte da amada princesa Diana. Mais que isso, eh sobre Blair, como ele salvou a monarquia, recuperando a imagem da rainha, e de como ela lhe dah uma licao. Nao sei se alguma vez ocorreu o dialogo, mas, no desfecho, Elizabeth diz a Blair que saboreie sua popularidade, porque ela tambem a teve, e sabe quao amargo eh o ostracismo, quando o dirigente perde o respeito e o carinho do povo. A caminho de Berlim, vim lendo no aviao os jornais franceses (Le Monde, Liberation) que peguei no balcao da Air France em Paris. Mais da metade dos ingleses quer a saida de Blair, um pouco por seu alinhamento com George W. Bush na Guerra do Iraque, mas agora tambem porque ele estah envolvido num escandalo de corrupcao. Ambos os jornais deram grande destaque a uma reportagem do Sun, segundo a qual avioes americanos dispararam contra alvos militares ingleses no Iraque e as perdas creditadas aos iraquianos na verdade foram provocadas pelos aliados de Blair. O dialogo de A Rainha pode ser ficticio, mas eh profetico. E Helen Mirren eh fabulosa (mesmo que, cabeca dura, eu tambem continue preferindo a Kate Winslet de Pecados Intimos no Oscar - tenho ateh medo de rever o filme de Todd Field, o que ainda nao fiz, e mudar de ideia, voltando ao fato de que Helen eh a melhor). Sai do cinema jah era meia-noite e, na rua, fui surpreendido pela neve que comecou a cair. De tarde, havia sol, o ceu estava claro e o frio nem era tanto. Estou saindo do hotel para ir assistir a La Vie en Rose, que abre o 57.o Festival de Berlim. A cidade estah toda coberta de neve. Cannes tem a praia, Veneza tem a Praca de Sao Marcos. Berlim tem a neve. Para quem vem dos tropicos eh sempre um espetaculo maravilhoso.

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