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Uma geléia geral a partir do cinema

Nacionais da Versátil

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Recebi mais três DVDs da Versátil, dois de filmes brasileiros - 'O Bandido da Luz Vermelha', de Rogério Sganzerla; e 'Anchieta, José do Brasil', de Paulo César Saraceni - e o terceiro, o italiano 'Os Girassóis da Rússia', de Vittorio De Sica. O que mais se pode dizer sobre 'O Bandido', um dos filmes mais cultuados e dissecados da história do cinema brasileiro? Há exatamente 40 anos - a produção é de 1967 -, 'O Bandido' iniciava uma revolução no cinema brasileiro, abrindo um ciclo e criando um gênero, aquilo que ficou conhecido como cinema marginal ou undreground, que no caso de Sganzerla, abrasileirado, é udigrudi. Tenho de admitir que mantenho uma relação ambígua com 'O Bandido'. O filme é uma explosão de ousadia e criatividade, mas eu confesso que essa maneira avacalhada de filmar - e que é uma frase do personagem - nunca me pareceu mais 'brasileira' do que os dois policiais clássicos de Roberto Farias que antecederam 'O Bandido' - 'Cidade Ameaçada' e 'Assalto ao Trem Pagador'. Nenhum dos dois diretores pertencia aos quadros do Cinema Novo e o movimento udigrudi, inclusive, se fazia contra a matriz de Glauber & Cia. Neste momento, acho interessante lembrar o que disse, na época, o lendário 'Presidente' da Cinemateca Brasileira, Francisco Luiz de Almeida Salles. Ele considerava 'O Bandido' uma ópera-bufa sobre São Paulo e a cidade é, de fato, uma personagem tão viva quanto o bandido que agia na noite, seduzindo e estuprando mulheres. É curioso, mas essa visão da metrópole, ligada à Boca do Lixo, dava prosseguimento a 'São Paulo S.A.', de Luiz Sérgio Person, e antecipava todos esses filmes que, atualmente, estão dando outra visão da grandeza e da miséria de Sampa - 'Não por Acaso', 'A Via Láctea' e 'O Sonho da Cidade'. Não foi só a cidade que mudou. O cinema brasileiro, também, e mesmo gostando, com gradações diversas, desses filmes, não sei posso dizer que mudou para melhor. Narrado como uma partida de futebol e, ao mesmo tempo, frio e distanciado, 'O Bandido' encontrou em Paulo Villaça o ator perfeito para o papel. Comparativamente, sinto que preciso rever 'Anchieta' antes de falar do filme de Saraceni que, na época - fim dos anos 70 -, foi representante do cinema brasileiro em Veneza. Confesso, mais uma confissão, que tenho mais curiosidade do que admiração pelo projeto autoral de Saraceni. Sua obra me passa, toda ela, a impressão de incompleta, rascunhada e, isso, apesar de sua parceria com o grande fotógrafo Mário Carneiro. Existem coisas boas em 'Porto das Caixas', mas a montagem do assassinato (uma coisa técnica, mesmo 0 não me convence; 'O Desafio' passa a impotência da intelectualidade diante da ditadura - acho muito legal a cena em que Oduvaldo Vianna Filho leva Isabella até aquela casa em ruínas, que representa sua falta de projeto -, mas 'Capitu', pbre Machado de Assis, e 'O Viajante' me constrangem Tenho a impressão de que só gosto mesmo, com todos os defeitos que possa ter, de 'A Casa Assassinada', mas ali a base era Lúcio Cardoso - trucidado no 'Viajante' - e o filme ainda tinha Norma Bengell e Carlos Kroeber em estado de graça. A cena em que ele, vestido de mulher, irrompe no velório, é uma das coisas mais fortes (e loucas) do cinema nacional. Sempre me desconcertou muito a mistura de gêneros no cinema de Saraceni, e a de 'Anchieta' em particular - reportagem etnográfica, alegoria, teatro da crueldade, abre-alas de carnaval e debate ideológico, tudo se une (e também desconstrói), mas nunca esqueci a cara de Nei Latorraca quando Saraceni tenta passar para a gente a dor do apóstolo do Brasil face à ruína dos índios, pelos quais tanto lutou. Vou rever. Quanto a De Sica, vamos ao próximo post.

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