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Uma geléia geral a partir do cinema

Mix Brasil (3)/Bixa Travesty abre espaço para os novos corpos

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Trabalhei na tarde de ontem, domingo, escrevendo a capa do C2 desta segunda, a entrevista com Marieta Severo, por A Voz do Silêncio, de André Ristum, sobre o qual já me derramei em elogios. À noite, fui ver Bixa Travesty, de Kiko Goifman e Cláudia Priscilla, no Mix Brasil. Gostei muito. Assisti a parte do debate e saí porque queria jantar. Tomei chuva, e como sempre foi difícil caçar um táxi na rua. Mas cheguei no Meats, na esquina da minha casa, a tempo de jantar. Encontrei Flávio Tolezani e a mulher, Natália Gonsales. São uns queridos. Ele começa a gravar a próxima novela (das 7), ela tem dois projetos para teatro, sendo um a adaptação de Ana Karenina, que Nelson Baskerville vai dirigir. Ficamos de nos reencontrar, de jantar 'com a turma'. Bixa Travesty! Como não estive em Berlim, em fevereiro, por causa do joelho, não assisti ao triunfo do cinema brasileiro no Teddy Award. Bixa Travesty venceu na categoria de documentário, Tinta Bruta, de Márcio Reolon e Filipe Matzembacher, na de ficção. Bixa Travesty é com, não sobre, Linn da Quebrada. Confesso que não sabia grande coisa sobre ela. Achei-a fascinante. A própria Linn reage quando a mãe a chama de 'ele'. Diz que vai gravar na testa que é 'ela' - e grava. Bixa Travesty é sobre os novos corpos, novas propostas de identidade, sobre o que, na era das trans, representa ser homem e ser mulher. Linn ou a voz da periferia. Seu discurso é articuladíssimo. Contesta o machismo e o estereótipo de que, para ser mulher, é preciso um corpo de mulher, ou o que o discurso masculino nomeia como 'feminino'. Linn define-se como mulher e mostra o pinto. E o seu discurso não é só de gênero. É de raça. Ela se assume como parte da população negra que sofre um verdadeiro genocídio no País. Gostei mais de Bixa Travesty que de qualquer outro filme de Kiko e Cláudia. Cinema político de alta voltagem estética, e totalmente militante no atual momento que vive o Brasil. Linn nasceu garoto, negro e pobre em São José do Rio Preto. Fez-se mulher, um corpo em transformação que ainda promete mudar muito. Apresenta-se com Jup do Bairro. Falam de intimidades, no plural, mas nada é mais íntimo do que a cena em que Linn e a mãe tomam banho juntas. Um filme como esse talvez choque, não importa se algumas ou muitas pessoas. O importante é que descortina um novo tempo, um novo mundo. Em discussão, os afetos. No lugar da fala, que reivindica, Linn explica o que é uma bixa travesty. É fugir/resistir aos rótulos. Não existe nada mais subversivo no País que acaba de eleger Bolsonaro.

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