Foto do(a) blog

Uma geléia geral a partir do cinema

Mais Godard

PUBLICIDADE

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Tive, afortunado que sou, dois encontros com Godard. Em 1991, enviado pelo Estado, fiz minha estréia em festivais internacionais, em Veneza. Foi o ano em que Godard mostrou, no Lido, Allemagne, Neuf Zero. Participei de um pequeno grupo que o entrevistou. Éramos quatro ou cinco, mais o Godard, reunidos em torno de uma mesa, no bar do Hotel Excelsior. Eu, já com quilometragem de anos, mas principiante num fórum daqueles. Estava todo inseguro, mas imagino que estaria mesmo se fosse no Brasil, na sala da minha casa. Imaginem. Era Godard, o mito! Tive uma das maiores surpresas da minha vida. Godard é tímido. Não olhava a gente na cara. Olhava para baixo. E a voz tremia. E as mãos tremiam. Não sabia como interpretar aquilo. Eu, nós é que devíamos estar intimidados! Anos mais tarde, foi em Cannes, quando ele mostrou Notre Musique (que eu prefiro). O grupo era um pouco maior, mas Godard, de novo, tremia e balbuciava. Não sei exatamente que conclusão quero tirar deste post, mas tenho encontrado diretores bem menos talentosos e importantes do que Godard, dotados de uma arrogância que pretende ser intimidadora, como se possuíssem alguma douta sabedoria a colocá-los acima do comum dos mortais. Não quero fazer nenhuma defesa da humildade, nada dessas babaquices. Quero relatar o Godard que conheci. Acho que fornece um novo enfoque para figura tão complexa e fascinante. Continuo sem a programação do ciclo da Cinemateca, mas agora, pelo menos, encontrei no folheto que me haviam enviado, relativo a janeiro, a informação de que, em fevereiro (a partir de amanhã), será possível (re)ver Vento do Leste, Carmen, Elogio ao Amor, Hélas pour Moi, Para Sempre Mozart e Nouvelle Vague. Este é o meu favorito. Afinal, é o encontro de Godard com Visconti, ou melhor, com Rocco, Alain Delon. (Também pode ser com Tarkovski, através da atriz Domiziana Giordano.) É um filme com começo, meio e fim, mas a sutileza godardiana é que não estão necessariamente nesta ordem. As duas cenas do lago são fundamentais (e antinômicas). Na primeira, Domiziana quase deixa Delon se afogar, quando ele cai do barco. Na segunda, é ela que começa a se afogar. Godard fez muitos filmes sobre o casal, sobre a impossibilidade de comunicação do casal moderno, quando as palavras perdem o sentido para expressar o afeto. Nouvelle Vague é maravilhoso. E quando me lembro daquele cara trêmulo! O homem que revolucionou tudo! Ah, sim, a cena do lago ocorre na propriedade da herdeira das indústrias Torlato-Favrini. É uma homenagem de Godard a um dos autores preferidos dele (e meu), Joseph L. Mankiewicz. Em A Condessa Descalça, Ava Gardner, como Maria Vargas, realiza seu sonho de Cinderela, mas o príncipe encantado, que se chama Torlato Favrini, é impotente. A impotência de Delon é com as palavras. Ah, Godard! Um gênio.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.