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Uma geléia geral a partir do cinema

Joseph H. Lewis

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Em seu verbete sobre Joseph H. Lewis em '50 Ans de Cinéma Américain', Bertrand Tavernier e Jean-Pierre Coursodon tentam decifrar o enigma. Por que, ao contrário de Anthony Mann, Richard Fleischer ou Jacques Tourneur, que também surgiram no filme B, mas à custa de golpes de sorte (e sucessos comerciais) conseguiram ascender à produção A de Hollywood, nos anos 40 e 50, Lewis permaneceu sempre numa posição inferior? Tavernier e Coursodon tentam explicar a ausência de progresso de Lewis citando a lendária dificuldade do diretor com seus atores - Peggy Cummings era uma raridade, a única que se lembrava dele com carinho -, mas também, e talvez principalmente, pela abordagem muito sombria, ou estética, dos roteiros que lhe eram confiados. Teria de pesquisar agora quando Lewis morreu, mas ele, nascido em 1900, já era um matusalém, acho que centenário, quando 'Cahiers du Cinéma' lhe dedicou uma extensa entrevista, de várias páginas, retraçando sua carreira. Se tivesse paciência de pesquisar na minha coleção da revista, haveria de achá-la. Mas, enfim, a idéia de falar sobre Joseph H. Lewis vem do lançamento, em DVD, de 'The Big Combo', ou 'Império do Crime', de 1954. Foi este o filme lançado, não? 'The Big Combo' fornece elementos para uma abordagem perfeita dos defeitos e qualidades do cinema de Lewis. Tecnicamente, é extraordinário, com uma mise-en-scène inventiva e um fotógrafo (John Alton) que segura todas as extravagâncias do diretor e o filme 'explode em imagens maravilhosas', como diz Jean Tulard. Expressionista no mais último grau - como tantos clássicos noir -, 'The Big Combo' muitas vezes utiliza uma só fonte de luz e o que impressiona é o domínio de Lewis e Alton do enquadramento, a forma como eles criam a tensão no interior do plano, usando a disposição dos atores para estabelecer os sentimentos dos personagens e as relações de dominação e de força. Se há um filme que oferece uma lição de mise-en-scène, é este. Seu fraco é o roteiro, marcado por inverossimilhanças, mesmo que Philip Yordan tenha feito o melhor trabalho possível, na exploração de um território conhecido. Tavernier e Coursodon consideram interessante que o espectador perca todas as referências morais no filme de Lewis, o que lhe parece a atitude inversa de outro pesadelo noir com o qual 'The Bg Combo' tem pontos de contato - 'A Morte num Beijo' (Kiss Me Deadly), de Robert Aldrich, que é melhor, com sua trama onírica que desemboca num relato de aprendizado moral. O 'melhor', aplicado ao filme de Aldrich, é meu. Vocês sabem quanto gosto do diretor, ao qual dedico um dos capítulos de 'Cinema - Entre a Realidade e o Artifício'. Infelizmente, tenho de admitir que não conheço tanto o cinema de Lewis quanto gostaria. Nem sei quantos filmes ele fez. Conheço uns quatro ou cinco, 'Trágico Álibi' (My Name Is Julia Ross), que estabeleceu a reputação do diretor, ainda nos anos 40, o cult noir 'Gun Crazy' (Mortalmente Perigosa) - que Jim McBride usa no remake de 'Acossado' -, 'Império do Crime' e 'Reinado do Terror', que foi o último filme por ele dirigido, acho que em 1958, com Sterling Hayden. Em todos eles, Lewis, a despeito de orçamentos irrisórios, cria cenas inesquecíveis. Hayden carrega seu caixão e substitui o revólver por um arpão em 'Duel in a Texas Town', título original de 'Reinado do Terror'. Posso estar cometendo uma heresia com o cultuado Lewis, mas, pegando carona no que dizem Tavernier e Coursodon, ouso dizer que ele me parece destituído de rigor. Lewis parece sempre consciente de que é melhor do que os filmes que faz. Alguns são realmente grandes, e Peggy Cummings diz que ele foi um cara combativo, sempre em luta com o 'sistema', mas a impressão que me passa é outra. Era fazer, ou largar. Ele fazia, sem se importar com os roteiros. O crítico francês Michel Mourlet dizia que, no cinema, 'tout est dans la mise-en-scène' e eu tendo a acreditar nisso. Os filmes de Joseph H. Lewis me parecem a prova de que nem tudo. Vou tentar (re)ver 'Império do Crime'. Quem sabe, depois, não escrevo outro post para me penitenciar?

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