BERLIM - Não sei se estou sendo indulgente ou se a Berlinale começou mesmo bem, mas depois do Wes Anderson, o melhor do diretor para mim, e do filme inglês sobre o IRA, tivemos hoje o primeiro dos quatro alemães da competição. A Alemanha, que, afinal, é dona da casa, tem sempre uma seleção numerosa, mas não necessariamente forte. Em comentários de bastidores, ouvi que este ano os alemães estarão arrebentando e, a se julgar por Jack,. de Edward Berger, vão mesmo. O cinema já contou tantas histórias de crianças carentes e/ou abandonadas que a gente começa a ficar cínico. Acha que já viu tudo, e aí vem um filme como Jack, para nos mostrar que não é bem assim. Jack é um garoto que se sente responsável pelo irmão caçula. A mãe não é drogada, tem trabalho, casa e até dá carinho para os dois. Mas ela é jovem e, ao contrário de Jack, irresponsável. Cai no mundo em companhia do amante da vez. Quer ser feliz, divertir-se e nessas horas esquece dos filhos. Jack, que foi enviado para um albergue, decepciona-se quando ela não vem buscá-lo, como pr0meteu. Provocado, comete um ato de violência e foge, mas antes pega o irmão. Partem os dois nessa odisseia, em busca da mãe omissa. Quando a encontram, passam momentos idílicos, mas a mãe, de novo, está preocupada com ela mesma e Jack, que sempre a defendeu... Não vou dizer o que ele faz, mas quando o filme passar no Brasil, seja na Mostra ou no circuito comercial, vocês vão ver como é forte. O ator que faz Jack, Ivo Pietzcker, é estreante. É maravilhoso. Não sei se ele se imbuiu da responsabilidade do personagem, mas ouvi-lo contar como conquistou o papel foi emocionante. Ivo ouviu falar do casting pela mãe de um colega. Enviou um e-mail, mas o teste seria no sábado e era dia de ir ao futebol com o pai. Ivo estava desistindo, mas o pai sugeriu que passassem por lá para ver. Ivo fez o teste, deixou o diretor alvoroçado - Berger já estava desistindo, por não achar o ator certo - e foi ao jogo. Tudo bem, essas histórias de pais e filhos mexem comigo, mas confesso que, ao sair da projeção, cheguei a pensar - mas já, no segundo dia, o Urso de Ouro? É cedo para fazer apostas, mas pensei muito no Mel, daquele turco, que venceu a Berlinale anos atrás. Tudo muito diferente, a começar pelo décor - a cidade, em oposição à floresta -, mas o filme de Berger é tão belo quanto. Houve ainda o segundo filme em língua inglesa do argelino Rachid Bouchareb, com Forest Whitaker, Harvey Keitel e Brenda Blethyn (com quem ele já havia feito London River). É um remake, quero dizer, uma reinvenção de Deux Hommes dans la Ville, que José Giovanni escreveu e dirigiu no começo dos anos 1970, com Alain Delon e Jean Gabin. No Brasil, chamou-se Dois Homens Contra a Cidade. Vocês podem até achar que não, mas sabem quem é Giovanni. Condenado à morte por assassinato nos asnos 1940, teve a pena comutada depois 10 ou 15 anos de trabalho forçado. Virou escritor e roteirista/dialoguista. A Um Passo das Liberdade/Le Trou, de Jacques Becker; Os Aventureiros, de Robert Enrico, que o aproximou de Alain Delon. Escreveu diversos policiais de Jacques Déray, quase todos com Delon, e depois dirigiu esse último. Baseado na própria experiência - e apoiado por Delon -, Giovanni investiu contra o sistema penal da França (a morte na guilhotina) e criticou duramente a dificuldade de reinserção social de ex-presidiários. Ao mesmo tempo, criou uma espécie de mitologia da cadeia - códigos de honra, amizade viril etc. Bouchareb pegou o básico de Giovanni - Delon sai da cadeia e é apoiado por Gabin, seu educador, mas todo o mundo conspira contra ele, até mesmo um bandidinho vagabundo interpretado pelo jovem Gérard Depardieu. Aqui, Forest Whitaker sai da prisão, ganha apoio de Brenda Blethyn, mas é perseguido por ex-parceiro (Luis Guzmán) e xerife (Harvey Keitel) cujo parceiro matou. A grande diferença é que Bouchareb fez de Whitaker um ex-presidiário que se converteu ao Islã e quer andar na linha. O filme tem seu andamento - digamos que é lento, introspectivo, muito bem interpretado. Não achei bom (com maiúscula, Bom!), mas gostei de ver e Whitaker consegue ser ainda melhor que em O Mordomo da Casa Branca. Agora, preciso me mandar para tentar ver Caravaggio, de Derek Jarman, em cópia restaurada (e com apresentação de Tilda Swinton). Na volta, relato mais alguma coisa.