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Uma geléia geral a partir do cinema

Engatinhando

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

PARIS - Continuo como filme de Kathryn Bigelow na cabeca, mesmo depois de haver assistido ao estranhissimo - e belo - Blancanieves, de Pablo Berger. Antes de falar do filme espanhol, quero voltar aa ex de James Cameron. Nao sou dado a teorias conspiratorias, apesar de certas revistas formadoras de opiniao, mas nao consigo deixar de pensar que a Bigelow paga o preco por ser mulher e ex do cara que deu a Hollywood seu maiores exitos. Ela jah o derrotou uma vez, quando ganhou o Oscar por Guerra ao Terror - e ele concorria por Avatar -, agora seria demais coloca-la na disputa de novo. Dou-me conta de que acompanho a carreira de Kathryn Bigelow desde Blue Steel e aquela policial que jah antecipava a Jessica Chastain de A Hora Mais Escura - eh assim que o filme vai se chamar, nao? Desde entao vi Strange Days, aquele das ondas do Havai com Patrick Swayze e Keanu Reeves, Guerra ao Terror (claro) e Zero Dark Thirty. Em todos, Kathryn tece o que nao deixa de ser uma teoria da acao, confronta os EUA com sua historia (nos dois ultimos) e reflete sobre o cinema. Essa ideia estah sempre presente. A droga de Strange Days, agindo no cerebro, proporciona sensacoes que fazem com que as pessoas vejam a propria vida como um filme. A mascara do desarmador de bombas lhe permite ver o mundo num quadro que se assemelha ao da tela e, na hora H de Zero Dark, o assalto aa casa em que Osama Bin Laden estah escondido, eh visto em paralelo - acompanhando a acao dos integrantes do Seal e pelas telas em que Jessica - e, presumivelmente, Barack Obama e sua secretaria de Estado, Hilary Clinton - acompanham a operacao. Zero Dark versa sobre o que? Beaudrillard na veia, Kathryn eh foda. Deviamos, nos, os cinefilos, descobrir o e-mail da Academia e inunda-lo com mensagens de protesto, se eles, afinal de contas, nao tem vergonha de deixar essa mulher fora da disputa. Mudando de assunto, a primeira impressao diante de Blancanieves eh de que se trata de um subproduto de O Artista. Como o longa vencedor do Oscar de Michel Hazanavicius, Blancanieves eh filmado em preto e branco e nao tem dialogos. Outro filme mudo, mas com musica - e letreiros -, contando a historia adaptada dos irmaos Grimm, sobre toureiro que sofre um acidente na arena, perde tudo - a mulher morre no parto, ele fica paralitico - e fica aa merce de enfermeira que assume o controle de sua vida e patrimonio. Ela o afasta da filha, que eh criada pela avoh, mas quando essa morre a menina vai para a mansao paterna, onde conhecem, o pai e ela, o inferno,. manipulados pela madrasta. Quando Maribel Verdu, que faz a madrasta, mata o pai e manda matar a garota, ela consegue sobreviver, salva por sete anoes que se apresentam como toureiros num show itinerante (e bufo). Aplicando o que aprendeu com o pai, Blancanieves, assim batizada pelos proprios anoes, vira uma grande toreira e provoca a ira da madrasta, ao descobrir que ela estah viva. O conto dos Grimm vira Freaks, o classico de Tod Brwoning, acrecido do sublime Santa Sangre, de Alejandro Jodorowski, quando o anao que ama a garota - o Dunga original? -, impossibilitado de ser o principe capaz de ressuscita-la, mantem uma relacao fetichista de adoracao com o objeto de seu culto. Um filme com o grau de elaboracao tematica e visual de Blancanieves nao pode ter sido feito aas pressas para aproveitar o sucesso de O Artista. Pablo Berger com certeza jah o vinha gestando hah mais tempo. Nao sei de voces, mas eu, macaco velho - e depois de Tiradentes, confrontado com o novo -, joguei por terra mais uma vez muinhas certezas para comecar de novo com os grandes filmes da Mostra Aurora - e com Kathryn Bigelow, Quentin Tarantino e Steven Spielberg, porque A Hora Mais Escura, Lincoln e Django Livre, mais que Argo (simpatico) e O Mestre (uma m...) -, que fazem hoje o cinema que me sacode, emociona, aponta para o futuro e me faz refletir. A vida, como diria Roberto Benigni, eh bela e eu, um idoso (67 anos!), engatinho diante do cinema que nao cessa de se reinventar, por obra de grandes artistas (visionarios?).

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