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Uma geléia geral a partir do cinema

Diretamente de Westminster

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Havia-me esquecido do casamento real. Cheguei agora de manhã na padaria, para tomar café - a Trigonella, em Pinheiros -, justamente na hora em que a TV mostrava um close de Kate Middleton, agora duquesa de Cambridge. Confesso que nunca havia prestado atenção na noiva. Não seria capaz de identificá-la no meio de quatro ou cinco fotos de quem quer que seja (ou fosse). Mas fiquei chocado com o que vi. Ela estava completamente distraída e, por um momento, buscando a câmera, deve ter visto a luz piscando e encarou os presumíveis 2 bilhões de telespectadores que teve a cerimônia, ao redor do mundo. O casamento real está sendo um evento planetário - dois no mesmo fim de semana é demais. No domingo, não mais em Londres, mas em Roma, o papa João Paulo II será beatificado. Vários teóricos vivem refletindo sobre a sociedade do espetáculo em que vivemos. Pensei com meus botões - minha tese 'conspiratória' - que bem pode ter sido um preparativo para a festa de hoje, na abadia de Westminster, o fato de a Academia de Hollywood ter premiado 'O Discurso do Rei' como melhor filme do ano. Afinal, melhor não era, mesmo. Não tenho muita paciência com a realeza, e menos ainda com a inglesa. São muitos vulgares. Se não fossem aqueles 'trocentos' protocolos que Stephen Frears flagra em 'A Rainha' - Tony Blair e a mulher são instruídos a curvar-se e manter os olhos no chão, sem encarar a soberana -, as pessoas, e as que penetram no círculo real mais ainda, iam perceber claramente como Elizabeth é cafona com aqueles tailleurs e aquelas bolsas nas quais caberia o babaca do marido reprodutor. Tudo o que o cinema me mostrou da realeza inglesa, os bons filmes - 'O Leão no Inverno', de Anthony Harvey, 'Becket, o Favorito do Rei', de Peter Glenville, o citado 'A Rainha' -, batem na tecla de que reis e rainhas não são nem um pouco melhores nem se comportam mais decentemente do que os plebeus do reino. Peter O'Toole e Katharine Hepburn brigam entre si como os verdureiros da esquina. Helen Mirren trai, nos mínimos gestos, a irritação que lhe causam o marido, a nora, o filho. "A Rainha' traz um comentário atribuído à princesa Margareth, que foi, em seu tempo, a ovelha negra da família. Ela diz, comentando que terá de encerrar as férias, que Diana consegue ser ainda mais irritante morta do que foi em vida. E aí vai o plebeu, Tony Blair, e salva o reino, persuadindo Elizabeth/Helen Mirren, a compartilhar, mesmo que falsamente, a dor do povo. Divago, eu sei, e muita gente já deve estar abandonando o post, persuadida de que não tem muito nexo. Talvez, mas ouço falar que o casamento deve injetar 1,5 bilhão, não sei se de libras ou dólares, na economia inglesa, que anda pela hora da morte. A beatificação de João Paulo, decidida em tempo recorde, também deve ajudar a Igreja que não anda bem das pernas. Sei... Mas aquele olhar de Kate, de quem está preocupada com a visão do outro - a TV, a mídia, a audiência planetária -, me pareceu meio que o reverso da visão viscontiana da realeza. O baile de 'O Leopardo', que revi no encerramento do Belas Artes - a propósito, morreu mesmo? Toda aquela mobilização se esvaiu, foi para o brejo? -, é a perfeição. Visconti, duque de Modrone, colocou príncipes de verdade entre seus figurantes e nada ali é menos do que perfeito. Melhor ainda é a abertura de 'Ludwig', com a coroação do rei. Toda a pompa e circunstância, a tensão. Naquela época, o cerimonial da realeza podia ser apenas intuído ou imaginado. Hoje é midiatizado e você vai ficar ouvindo nos próximos dias as avaliações do vestido de Kate, as comparações com o de Diana etc. Li em algum lugar que Kate ficou à frente da sogra, Diana, numa votação da internet para definir as mais belas integrantes de casas reais. Faz sentido - Diana não era realmente bela, mas tinha carisma (e um figurino melhor que o da sogra, com certeza). Mas, sim, a mais bonita de todas é Noor - não, a masis bela sempre foi Romy Schneider, como Sissi, não a de Ernst Marishka, mas a amargurada de Visconti.

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