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Uma geléia geral a partir do cinema

Direção ruim?

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Steffania Sandrelli acaba de completar 66 anos (em 5 de junho). Tive oportunidade de entrevistá-la em Cannes, em 1996. Steffania integrava o elenco de 'Beleza Roubada', de Bernardo Bertolucci. O filme ainda não tinha distribuição para o Brasil, mas, como era conhecido dos assessores internacionais da produção, para me compensar por não me darem entrevistas com o diretor nem com Liv Tyler, me ofereceram Jeremy Irons. Eu pedi Steffania Sandrelli. Foi quase um favor que fiz, porque não havia muita gente interessada em conversar com ela. Terminei entrevistando depois Bertolucci e Liv Tyler por telefone e, lá mesmo em Cannes, conversei com Jeremy Irons. Bertolucci foi muito simpático. Disse-lhe que havia amado seu filme, mas que não sabia quanto havia pesado o fato de ser pai de uma filha que ensaiava seus primeires passos na sexualidade e que se chamava Lúcia, como a personagem (Lucy) de Liv. Falamos em italiano e, no final da entrevista, ele disse  'Dale un baccio per me' (na Lúcia). Foi uma coisa que me tocou muito, na época, porque ele não precisava ter dito aquilo. Foi, realmente, uma prova de sensibilidade e atenção. Steffania me disse - 'Quando Bernardo chama a gente, não importa o papel. Não se diz não para ele.' Seu primeiro filme foi de Luciano Salce, 'Il Federale', mas Steffania era ainda muito jovem quando fez 'Divórcio à Italiana', de Pietro Germi. Mastroianni, louco de desejo pela sexy Steffania, quer matar a mulher, Daniela Roca. Ele planeja usar o código de honra da Sicília, que diz que marido cornuto pode matar a mulher adúltera - podia, em 1961. O problema é que Daniela era completamente devotada - ao sposo, a la Chiesa -, o que obriga Mastroianni, como Feffè, a uma ginástica para lançá-la nos braços de outro. No final, ele mata, casa e o diretor Pietro Germi reserva uma pirueta para o espectador, um gesto justamente de Steffania, mostrando a encrenca que Feffè/Mastroianni criou para si mesmo ao se ligar à garota. Steffania fez depois 'Seduzida e Abandonada', também de Pietro Germi, estrelou grandes filmes de Ettore Scola ('Nós Que nos Amávamos tanto') e Bertolucci - o primeiro tango em Paris do diretor foi dançado por Dominique Sanda e ela em 'O Conformista'. E chegamos a 'La Prima Cosa Bella', A Primeira Coisa Bela, de Paolo Virzi. Gostei demais do filme e o recomendei a meu amigo Dib Carneiro, que foi ontem e também amou. Considero um privilégio essa minha profissão. Sair da redação à tarde para ver um filme - e poder dizer que estou trabalhando -, um bom filme, ainda por cima. Foi o que fiz na terça. 'Cosa Bella' se desenrola em duas épocas. No presente, Valerio Mastandrea é convocado pela irmã para dar apoio à mãe de ambos, que está morrendo. Segue-se a história da família disfuncional, a mãe louca, que arrasta o casal de filhos para lá e para cá, e agora o reencontro. Steffania é maravilhosa no papel e traz, principalmente para quem, como eu, acompanhou sua trajetória, uma persona que extrapola aquilo que nos é dado ver. Fiquei muito tocado assistindo a 'Cosa Bella' e me choca o que disseram os colegas. O guia da concorrência registra lá uma frase de efeito sobre o filme ainda em cartaz de Paolo Virzi. 'Direção ruim estraga tudo...' Dizer o quê? Tudo o que disser será ofensivo. Não vale a pena. Acho preferível sugerir que vejam o filme e formem a própria opinião. Ah, sim, a atriz que faz a personagem de Steffania quando jovem é Micaela Ramazzotti, mulher de Paolo Virzi (na vida). Achei-a muito parecida com Antonella Lualdi, um vulcão que entrou em erupção no cinema italiano por volta de 1960 - contemporânea de Steffania Sandrelli, portanto - e que fez filmes como 'A Longa Noite de Loucuras', La Notte Brava, de Mauro Bolognini, e 'Quem Matou Leda?, À Double Tour, de Claude Chabrol. O melhor disso tudo é que 'Cosa Bella' e Steffania me impulsionam a viajar em lembranças que me enchem a alma.

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