Assim como 'O Pequeno Nicolau' me impulsionou a boas lembranças, com frequência ocorre de eu viajar enquanto seleciono destaques para filmes na TV, especialmente na TV paga, nos canais Telecine Cult e TCM, que são as cinematecas de que os cinéfilos podem dispor em casa. Agora mesmo, uma velha cena se repetiu. O TCM mostra amanhã, às 22 horas, o 'Quero Viver' de Robert Wise. O filme deu a Susan Hayward o Oscar de melhor atriz de 1958, um prêmio que ela já perseguia há tempos. Pouca gente ainda fala em Susan hoje em dia, mas era uma atriz importante, a chamada 'operária' da interpretação. Susan era uma estrela, mas nunca se pautou pelo glamour e sim, pela excelência de suas criações em filmes de aventuras e melodramas que marcaram época. Ela era boa como heroína sofredora (como aqui), mas era melhor ainda como malvada e, em boa parte de 'Quero Viver', sua personagem é uma peste, num estilo meio Barbara Stanwyck. O próprio Wise, que havia montado 'Cidadão Kane' com Mark Robson - ambos estrearam na direção na escola de terror do produtor Val Lewton -, virou um diretor de prestígio, embora 'Cahiers du Cinéma', na fase de capa amarela, implicasse com ele. 'Cahiers' dizia que Wise não fazia jus ao nome (sábio), mas a revista, pela mesma época, hostilizava John Huston, acusando-o de não ter 'estilo'. Era um pouco a acusação também feita a Wise, e no fundo muitos críticos deviam colocá-lo no mesmo saco de Stanley Kramer, um produtor e diretor que se valia de temas fortes - e audaciosos - para tentar lograr uma respeitabilidade que não mereceria (por suas fracas aptidões cinematográficas). Mas ou a memória me falha completamente ou 'Quero Viver' decola como um noir dos bons, naquele cabaré em que Gerry Mulligan e outros cobras tocam o fino do jazz e Barbara Graham começa a aprontar. O filme baseia-se numa história real. Barbara era uma prostituta que podia ser culpada de muita coisa podre, mas era inocente justamente do crime pelo qual foi condenada à morte na câmara de gás - a participação no assassinato de uma velhinha. Simon Oakland, o psiquiatra de 'Psicose', que explica para o espectador o caso de Norman Bates/Anthony Perkins no desfecho da obra-prima de Alfred Hitchcock, faz o jornalista cujas manchetes levam Barbara ao corredor da morte, mas até ele se convence de sua inocência e passa a lutar pela comutação da pena