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Uma geléia geral a partir do cinema

Com atraso, Jean Rabier!

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Positif, a revista francesa, tem uma seção chamada Bloc de Notes e, dentro dela, várias rubricas. A que sempre me atrai - é o que vejo em primeiro lugar - passa o mês a limpo, dia a dia. Foi assim que descobri, o que me havia passado despercebido em Berlim, que no dia 15 de fevereiro morreu o diretor de fotografia Jean Rabier. Se não foi o maior fotógrafo do mundo, Rabier esteve perto. Fotografou todos os filmes de Claude Chabrol entre Les Godulereaux, de 191, e Madame Bovary, em 1991. Isso significa quer se devem a ele imagens emblemátiocas do cinemas de Chabrol, que revejo sempre na imaginação - o campo florido, com as manchas vermelhas como sangue, de Quem Matou Leda? e o tour de force final de A Mulher Infiel, a combinação de travelling para trás e zoom que cria um efeito alucinante - e que Alfred Hitchcock já utilizara na cena do campanário em Vertigo/Um Corpo Que Cai. Sempre me impressionou muito que, no mesmo ano, 1969, e sem que um soubesse o que o outro estava fazendo, Arthur Penn usou o mesmo efeito para encerrar Alice's Restaurant, seu filme hippe, lançado no Brasil como Deixem-nos Viver. A par da colaboração com Chabrol, Jean Rabier esteve associado as grandes filmes do casal Jacques Démy/Agnès Varda. Para ambos fotografou em preto e branco e cores - Cléo das 5 às 7 e o deslumbrante Le Bonheur/As Duas Faces da Felicidade, o filme visualmente mais belo que vi em toda a minha vida, para ela, e La Baie des Anges, em que Jeanne Moreau emula Bette Davis fazendo uma loira platinada, e Os Guarda-Chuvas do Amor, para ele. Lembro-me de um artigo de Jefferson Barros na extinta Folha da Tarde, em Porto Alegre, há bem uns 50 anos. Jefferson enterrava a nouvelle vague, denunciando o aburguesamento de François Truffaut e o lirismo mentiroso de Démy, justamente por conta de Les Parapluies de Cherbourg. Mesmo um crítico da estatura de Jefferson, um dos meus mentores, podia se enganar. Mentiroso! Além da ousadia do filme todo (em)cantado, Os Guarda-Chuvas é um dos filmes mais críticos do seu tempo, e um dos raros que, no cinema francês da época, encaram questões como a guerra da Argélia. Basta citar o nome e me vem a imagem de Catherine Deneuve e Nino Castelnuovo cantando Je vous attendrai toujours. Estão abraçados. Não caminham - deslizam sobre uma plataforma que não vemos, mas o efeito é mágico. Nino vai para a guerra e Catherine promete esperá-lo. Mas ela não espera. E o reencontro de ambos no final, sob a neve, é tão pungente quanto o de Natalie Wood e Warren Beatty, que se haviam tanto amado, em Clamor do Sexo, de Elia Kazan. Jean Rabier! Uma semana depois dele, em 22 de fevereiro, morreu outro importante chef operateur, Douglas Slocombe, parceiro de John Huston, Joseph Losey, Roman Polanski, Ken Russel, Steven Spielberg etc. Esse eu sabia, mas não creio que nem Slocombe, grande como foi, tenha sido maior que Rabier.

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