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Uma geléia geral a partir do cinema

Cannes (13)/Naomi Kawase e o essencial que é invisível para os olhos

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

CANNES - Tenho entrevistado Naomi Kawase regularmente aqui em Cannes - por A Floresta dos Lamentos, O Segredo das Águas, O Sabor da Vida. Pelo último foi há dois anos. Vivi uma curiosa experiência de voyeurismo com o marido e ela. Naomi estava com dor na coluna, mas não quis desmarcar a entrevista. Enquanto conversávamos, o marido grudou-se a cavalo atrás dela e começou a massageá-la. Se aquela mulher não teve uns três orgasmos, suspirando e gemendo, não me chamo Luiz Carlos Merten. Naomi está de volta à competição com Vers la Lumière, Em Direção à Luz. Tive outra epifania com ela. Em plena era da civilização da imagem, Naomi usa a audiodescrição para uma discussão ampla (e profunda) sobre o cinema e o mundo em que vivemos. A protagonista é essa jovem que tem de encontrar as palavras para descrever o que os olhos de alguns não veem. O cinema estás deixando de ser uma experiência sensorial, visual, sensual. A toda hora você vê pessoas - jornalistas, presumivelmente críticos - que não olham mais para a tela e ficam conferindo e-mails e sei lá que mais nas redes sociais. A protagonista tem essa mãe que está perdendo a memória. O pai morreu e ela, qual Electra, ainda está presa a esse momento mágico em quer o pai a levou, ainda criança, para ver o crepúsculo. Nada menos surpreendente que ela se envolva com esse homem mais velho, um fotógrafo que está perdendo a visão. O que vemos, no cinema e na vida? E quando a imaginação nos supera, transpassa? Esse festival anda cheio de cenas de sexo. Hetero, homo. Hoje pela manhã, passei no Short Corner para conferir os curtas que concorrem com o brasileiro Vazio do Lado de Fora na Cinéfondation. Tem um curta israelense, Heritage, Herança. Um jovem gay enterra o pai e descobre, por acidente, que ele tinha um affair com um homem casado. Papai e seu amante no armário. O filho aproxima-se do amante do pai, que não sabe que ele morreu. Faz-se possuir por ele. O que mostrar do sexo na tela? O fotógrafo pede à garota para tocar seu rosto. Só isso. Só? Confesso que não vi nada mais erótico no cinema recente. Achei lindo o filme da Kawase. Enxergar com o olhos da alma, com o coração... Parece banal, dizendo assim. Algo como Saint-Exupéry no Pequeno Príncipe. O essencial é invisível para os olhos. Banal my ass. E o filme tem aspectos da relação mãe/filha que podem tocar M. le président (du jury).

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