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Uma geléia geral a partir do cinema

Brasileiros em Cannes

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

CANNES - Havia redigido um abre para a pagina de Cannes que voces poderao ler hoje no `Caderno 2`, sobre os brasileiros aqui em Cannes. Em cima do fechamento, liguei para o jornal e pedi para trocar o texto, pois havia feito outro, mais direto e que comeca no taco - `Duas relativas decepcoes nacionais aqui em Cannes`. O filme de Heitor Dhalia foi muito aplaudido na sessao oficial, na mostra Un Certain Regard, mas eu confesso que `A Deriva` me decepcionou. Heitor me havia dito que era seu maior filme (como producaoh) e tambem o mais pessoal, nao autobiografico, centrado em sua juventude na praia, na separacao dos pais etc, mas, como queria evitar justamente a identificacao, a personagem eh uma garota, nao um rapaz, que seria ele. O filme eh visualmente bonito, Debora Bloch eh maravilhosa, uma beleza madura a servico de uma interpretacao pungente como a mae bebada, mas `A Deriva`, no limite, me pareceu menos ousado e criativo do que `O Cheiro do Ralo`, algo assim como um filme de arte de vocacao comercial, nem lah nem cah, como o `Budapeste` de Walter Carvalho, que estreou ontem ai no Brasil. Sobre o filme de Eduardo Valente, que tambem teve uma sessao (especial) muito concorrida, vamos lah. `No Meu Lugar` tem coisas que me pareceram muito legais. Boa parte do filme passa-se (em diferentes tempos) nessa casa onde a invasaoh de um policial levou a um confronto sangrento, com mortes. Perguntei ao Valente se a casa era, para ele, alguma metafora do Brasil - a forma como ela vai se esvaziando, ao longo da narrativa em tres tempos que nao sao lineares - e ele me disse que, do Pais, talvez nao, mas do Rio sim, por causa da proximidade (promiscuidade?) entre classe media e favela que a propria geografia da cidade proporciona. A casa de `No Meu Lugar` abre-se para a favela e Valente usa o multiplot para relacionar os varios tempos e personagens, mas, diferentemente de Alejandro Gonzalez-Inarritu, que busca sempre um efeito `dramatico` para arrancar aplausos do publico, o autor brasileiro meio que desconstroi o impacto, revertendo a expectativa do espectador, o que pode ser esteticamente mais ousado, mas tambem eh arriscado, porque nao leva a uma catarse imediata, mas pede uma reflexao mais profunda. Tenho, de qualquer maneira - nao tenho, claro, mas vou - confessar uma coisa muito intima para voces. Chorei vendo o filme do Valente. Contei-lhe o por que (e chorei de novo). O filme trata de morte. Uma personagem chama-se Sandra e o garoto da favela, o Beto, chama a Sandra repetidas vezes. O nome ecoa no filme, diante da casa - `Sandra! Sandra! Sandra! Era como se chamava minha sobrinha, filha de minha irma Marlene. Sandra morreu nao faz muito tempo, atingida por uma doenca que, quando se manifestou, jah estava num quadro irreversivel. Nunca havia conseguido fazer o luto pela Sandra. Nao fui a Porto para o funeral e, cada vez que me lembrava dela,. me vinha a imagem da Sandra crianca, viva, alegre, mas eu nao chorava (ao contrario do pai que, em `The Map of the Sounds of Tokyo`, de Isabel Coixet, nao para de chorar a filha, vendo velhos filminhos domesticos). De alguma forma fiz meu luto da Sandra por meio do filme de Eduardo Valente. Isso nao me cria condicoes objetivas de falar sobre `No Meu Lugar`. Vou ter de rever o filme no Brasil, mas, como ja falei aqui, foi uma obra cujo processo acompanhei, desde o comeco, quando integrei uma comissao da Petrobras que avalizava propostas de desenvolvimento de roteiro. No papel, `No Meu Lugar` me parecia ser muito mais intenso. Vou me dar uma segunda chance revendo o filme, antes de voltar a falar (de forma mais definitiva?) sobre ele.

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