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Uma geléia geral a partir do cinema

Até quando?

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Na sexta-feira, havia falado com minha amiga Andréa Cals, pelo telefone. Estava no jornal e, quando atendi, a voz da Andréa, cavernosa, me levou imediatamente a perguntar - o quê houve? Era prenúncio de desgraça. Andréa me disse que a morte brutal de Glauco e seu filho a deixara prostrada. Ainda perguntei se o conhecia? Andréa respondeu que só pelo trabalho. Eu compartilho esse sentimento. Existem pessoas - artistas, e não apenas eles - que a gente conhece à distância, pelo trabalho, e que são integradas às nossas vidas como entes queridos. Demorei para acrescentar este post sobre o Glauco porque tinha medo de ser piegas, e até de chorar, enquanto o escrevia. Claro que eu conhecia o Glauco por seus cartuns, e o admirava pelo traço despojado, sem firulas, mas principalmente pelo tom direto, sem censura e sem frescura, ouvi alguém dizendo isso e estou incorporando sem dar crédito porque não lembro quem foi. Cheguei a comentar com a Beth (Néspoli) e sei que foi um comentário até infeliz - '(Mário) Bortoloto, apesar de tudo, teve sorte.' A morte do Glauco já foi uma coisa horrorosa, mas a do filho, junto? Um garoto de 25 anos? E o suspeito ainda era alguém conhecido, de casa? Imagino que o Glauco teria dado sua vida duas/dez vezes, se tivesse a possibilidade de poupar a do filho. Essa tragédia veio no bojo de outras que, na semana passada, me deixaram arrasado. As outras foram tragédias no trânsito. O sujeito bêbado na contramão, cujo carro chocou de frente com outro e ele matou o casal. O outro bebum cujo carro invadiu o parquinho e atropelou pai e filho. São coisas diferentes, eu sei, mas em todos esses casos há o mesmo desprezo pelo outro. Está todo mundo tão centrado que c... para o resto. Os bêbados enchem a cara, vão para o volante e sai da frente que a rua é deles. O ladrão quer... Sei lá que item de consumo. Não tem dinheiro? Rouba, mata, a vida não vale nada mesmo. Eu sou de um tempo, de uma consciência 'de esquerda', que achava que essas coisas eram distorções do capitalismo, que num mundo sem diferenças sociais nada disso ia ocorrer. tolo utópico. O comunismo fracassou, e já tinha dado origem a outro totalitarismo. A economia de mercado continua produzindo e até agravando, distorções. Vamos ter de conviver com elas? Vamos continuar enterrando nossos Glaucos? Até quando? Eu, às vezes, gostaria de ter a fé de minha colega (Léo)nirce, que acha que tudo isso aponta para o apocalipse e me pede todo dia que me converta. Minha religião é o cinema e já estou convertido. Na sala escura, vendo filmes, renovo minha fé no humano.

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