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Uma geléia geral a partir do cinema

Aonde me levou mais um equívoco

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Lá venho eu com minhas desculpas. Sorry, mas assim como muitos de vocês eu também acho graça em muitos de meus equívocos ou atos falhos. Ontem, cometi mais um. Postei que estava indo correndo ao CCBB para ver o documentário Hércules 56, de Sílvio Da-Rin, no É Tudo Verdade. Quebrei a cara. Era no Centro Cultural São Paulo, mas não posso me queixar. Espero que os leitores também não se queixem se, algum, por acaso, atraído pelo blog, tiver feito o mesmo caminho. Acho que terei outras oportunidades de ver o filme do Sílvio. O que vi é mais raro - O Salário da Morte, único longa de Linduarte Noronha, sobre pistoleiros de aluguel. Não teria visto, se não tivesse errado o endereço. Entrei correndo, nem conferi qual era o filme. Mas, de cara, aquela paisagem, a aridez da fotografia em preto-e-branco, vi que o programa era outro. Não sou o maior conhecedor do mundo nem de Linduarte Noronha nem da própria escola paraibana de cinema. Conheço Aruanda, claro. assisti aos filmes de Vladimir Carvalho na Paraíba, reconheço a importância de uns e outros, mas nunca fui fundo na investigação do cinema paraibano. Acho Aruanda muito interessante, mas é um tipo de documentário reconstituído, na verdade um cinema documentado, que às vezes me causa estranheza. É tudo tão detalhista e verídico e, no entanto, há ali um artifício. Muito perturbador. O Salário da Morte é ficção ou documentário? A mesma pergunta terá de ser feita quando estrear Serras da Desordem, de Andrea Tonacci, que trafega nas bordas de ambos (embora seja mais ficção). O Salário da Morte tem muita coisa ruim, ou mal encenada - as cenas de luta, a cena de sexo. Mas eu achei o rigor estilístico de Linduarte uma coisa viscontiana, com planos da paisagem nordestina, filmados em PB, que me fizeram lembrar La Terra Trema. A mãe em primeiro plano e o pistoleiro ao fundo, e no alto, recortado nas sombras da janela, Linduarte viu o clássico de Visconti, ora se viu. Ele também viu os filmes documentados de Francesco Rosi nos anos 60. Sua visão do Nordeste dos coronéis e dos pistoleiros tem algo do imobilismo da Sicília de Rosi em O Bandido Giuliano. Não acho que O Salário seja tão bom. A filha mordendo o lábio de nervosa, enquanto o irmão briga na feira, me fez lembrar, pelo ridículo, Mary Terezinha nos filmes que Teixeirinha fazia, na época (1970), lá no Rio Grande do Sul. A concepção política, de tão esquemática, fica ingênua, mas gostei de ver este filme ao qual me levou o acaso. No final, tenho de agradecer ao meu equívoco. E achei muito irônico o final. O filho que chega tarde demais, quando a tragédia já se consumou, é caminhoneiro. Transporta combustível. No caminhão-tanque está escrito bem grande - inflamável. Ele acende um cigarro e se encosta no veículo, para fumar. A platéia riu. Não é um deslize da direção. Inflamável é a situação que um filme como O Salário da Morte documenta.

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