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Uma geléia geral a partir do cinema

A descarada Jane Russell

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Está difícil encarar a Surfistinha. Abri o blog para, finalmente, acrescentar o post sobre o filme de Marcus Baldini, mas ainda não vai ser agora. Fui dar uma olhada nos comentários e encontrei o da Emma, sobre a morte de Jane Russell. Fui ao Google, correndo, para saber quando isso ocorreu. Não sabia! Foi ontem, aos 89 anos. Morreu em casa, em Minnesota, cercada pelos filhos. Nos últimos anos, se dedicava a apoiar a World Adoption International Fund. Jane Russell entrou para o cinema pela mão de Howard Hughes, que a descobriu, reza a lenda, como auxiliar num centro de atentimento odontológico. Mas não foram os dentes de Miss Russell que chamaram a atenção de Mr. Hughes. O 'aviador' (de Scorsese) ficou vidrado no busto exuberante de Jane, que imediatamente quis compartilhar com o público de todo o mundo e fez um western que ficou clássico, 'O Proscrito', The Outlaw, em 1943. Três anos mais tarde, outro famoso produtor, David Selznick, patrocinou 'Duelo ao Sol', western assinado por King Vidor, mas que teve cenas assinadas por outros diversos diretores. 'Duelo ao Sol' era erotizado pela presença luminosa da sra. Selznick, Jennifer Jones, que interpretava a fogosa mestiça Pearl Chávez, que provocava a fissura da família de Lillian Gish ao opor Gregory Peck e Joseph Cotten, irmãos (como Caim e Abel). Três anos antes, Hughes, como produtor e diretor - mas a maioria das cenas foi realizada por Howard Hawks -, inaugurara o sex western, contando a história de Billy the Kid de olho no sutiã de Jane Russell. As ligas de decência e os próprios críticos se escandalizaram, mas, com o tempo, 'O Proscrito' virou cult, e não apenas pela indecência. O filme possui qualidades e a maior delas é a performance de Walter Huston, pai de John. O próprio Hawks deve ter ficado fissurado em Jane, porque, quando fez 'Os Homens Preferem as Loiras', colocou-a ao lado de Marilyn Monroe (a loira do título). O filme é considerado um equívoco do grande Hawks, mas que importa.  Marilyn é dinamite e Jane revela-se ótima comediante, ironizando os próprios atributos físicos. 'Gentlemen Prefer Blondes' foi um grande sucesso, para o qual contribuiu o número 'Diamonds Are Girls Best Friends', e teve uma sequência intitulada 'Gentlemen Marry Brunettes'. Ou seja - os homens preferem as loiras, mas se casam, com as morenas. Não seria capaz de citar muitos outros filmes de Jane Russell, mas ela foi aventureira, sucedendo a Marlene Dietrich, com Joseph Von Sternberg, em 'Macao' e mostrou sangue quente de cigana com Nicholas Ray (o filme chama-se 'Sangue Ardente'. Em 1955, Jane encontrou Raoul Walsh, com quem fez dois filmes consecutivos. Mais do que qualquer outro diretor - Sternberg, talvez, porque a fez contracenar com Robert Mitchum -, Walsh percebeu que uma mulher tipo 400 talheres, como Jane, exigia um tipo de homem, rude e viril, e a lançou primeiro nos braços de Clark Gable em 'Nas Garras da Ambição' - que não é um de seus maiores westerns - e, depois, nos de Richard Egan em 'A Descarada', The Revolt of Mamie Stover', que é, esse sim, um de seus maiores filmes. Walsh, macho pra c..., não era tão 'família' quanto John Ford e já fizera 'A Sereia do Alasca', com a desbocada Mae West, nos anos 1930. Três décadas mais tarde, num surto pré-feminista, ele fez 'A Descarada' e, na sequência, 'Esse Homem É Meu', a King and Four Queens, de novo com Clark Gable e Eleanor Parker, e 'Meu Pecado Foi Nascer', o sublime Band of Angels, com Gable e Yvonne De Carlo, todos contando histórias de homens confrontados com mulheres mais ou menos liberadas (o menos fica por conta das pressões do código de censura). Jane Russell foi pin-up, mas não apenas. Ela possuía presença cênica e até um real talento dramático, que Walsh utilizou tão bem na puta descarada Mamie Stover. Obras-primas, filmes B, artesãos, grandes autores. A carreira de Jane Russell pode ter sido irregular, mas sua imagem de mulher forte era o oposto das dóceis (e classudas) nas quais os estúdios investiam. Vai em paz, Jane. O cinema te agradece.

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