PUBLICIDADE

Foto do(a) blog

Uma geléia geral a partir do cinema

À sombra de Germi

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Fui ontem à noite visitar o set de Amor em Sampa, o novo longa de Carlos Alberto Ricelli, escrito e interpretado pela mulher dele, Bruna Lombardi. Ricelli codirige com o filho, Kim, e a cena que vi rodar  no jardim da Cinemateca - um dos lugares mais bonitos de São Paulo - era de Rodrigo Lombardi cantando. Um filme de amor à cidade, sobre uma metrópole que se reconstroi e sobre personagens que também procuram acertar, na vida e no amor. Tirando as chanchadas nos anos 1950, o cinema brasileiro não tem tradição de filme musical. Tivemos, recentemente, muitos documentários sobre música, mas ficções musicais? Recuando, a memória resgata  Garota de Ipanema, que não é o melhor Leon Hirszman, Quando o Carnaval Chegar, de Cacá Diegues - com o maior elenco da história da MPB, Chico, Nara e Bethânia -, Para Viver Um Grande Amor, de Miguel Faria Jr., com, Djavan, inspirado em Pobre Menina Rica, e Orfeu, de novo de Cacá, que tem muitas cenas cantadas, mas eu não definiria como 'musical'. Ricelli, Kim e Bruna arriscam, e eu espero que acertem a mão. Ela escreveu para ele o papel de um motorista de táxi que tem três mulheres, escreveu outro papel para Mariana Lima, uma empresária que teve câncer, tirou um seio, fez quimio e agora tem medo, justamente de se envolver com Rodrigo, que canta, na cena filmada a sua ansiedade/perplexidade. Ele é um sucesso como publicitário, mas essa mulher, a quem ama, não lhe dá mole, e ele ainda não sabe por quê. Sobre as três mulheres do taxista, e é curioso que Bruna tenha escrito o papel especialmente para o marido, lembrei a Ricelli que há um velho filme de Pietro Germi, uma comédia de 1967 ou 68, feita depois que ele ganhou, debaixo de vaias, a Palma de Ouro de 1966, ex-aequo com Um Homem, Uma Mulher, de Claude Lelouch. A Palma de Germi foi por Signore e Signori, Confusões à Italiana, que prosseguiu com a fase de humor iniciada em 1961 com Divórcio à Italiana. Lembro-me que, na época, eu era um jovem e os críticos não queriam nem ouvir falar do Germi. Diziam que era grosseiro, vulgar. Nunca vi Signore e Signori, em que o diretor investe com virulência contra a família e, até onde me lembro, a televisão. Mas assim, como gosto de alguns filmes neo-realistas de Germi nos anos 1950, e gosto dele como ator nos próprios filmes e também em Caminho Amargo, de Mauro Bolognini, gostei demais de Como Viver com Três Mulheres, L'Imomorale, sobre o músico que já tem duas mulheres e leva uma terceira para compartilhar o lar (e a cama). Ugo Tognazzi era excepcional no papel, o filme tinha Steffania Sandrelli, a garota siciliana que havia sido seduzida e abandonada em outro Germi. O diretor morreu em 1974, deixando pronto o roteiro que um amigo, Mario Monicelli, filmou, em sua homenagem, e virou Meus Caros Amigos. Sempre achei que esta era a homenagem mais bela que um diretor poderia querer - Monicelli, grande diretor de comédias, me disse certa vez (com aquele mau humor com que tratava jornalistas) que fez Cari Amici Miei como achava que Germi teria feito o filme,. e só depois, com Quinteto Irreverente, ele retomou os personagens para fazer o 'seu' filme. Adoro viajar nessas lembranças. Dino Risi foi o maior de todos os autores de comédias italianas, mas eu me diverti muito com Luigi Comencini (Mulheres Perigosas é uma gema), Ettore Scola, Monicelli. Houve uma época em que todos esses prazeres eram proibidos, e não pela censura do regime militar e sim, pela crítica, que buscava sempre o defeito dessas comédias, nunca suas qualidades. Naquela época de apogeu do cinema italiano, era de bom tom reverenciar Michelangelo Antonioni, Francesco Rosi, Federico Fellini, Luchino Visconti. Pietro Germi, Luigi Comencini? Eram prazeres proibidos. E eu que sempre achei o máximo a cena da praia em Férias à Italiana, L'Ombrellone, de Risi, 1967, em que Enrico Maria Salerno e a mulher estão frente ao mar, a areia escorre entre os dedos - o tempo que passa, o vazio, e o mundo ao redor só quer saber de birra e sole. O Dio, tenho visto muitos dos meus mitos recuperados e recompensados. Ainda existem outros que também espero ver.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.