Fiquei sabendo que o pesquisador sugeriu o projeto sem ganhar um tostão, mesmo tendo insígnias que garantissem uma vida luxuosa de passados. Autor de livros como A Canção no Tempo (com Jairo Severiano), A Era dos Festivais e Copacabana - a Trajetória do Samba-Canção, com um filme sobre sua vida, Zuza Homem de Jazz, no qual Wynton Marsalis dedica-lhe elogios verdadeiros, Zuza quis pacificar a consciência passando à posteridade o que levou a vida para aprender, desde os anos em que viveu em Nova York tendo aulas de contrabaixo e entrevistando jazzistas no início dos anos 1950. Vivente presente de uma geração que se vai ou que fica sem estar mais aqui, é o único de uma turma que já teve oito homens que se reuniam uma vez por semana dispostos a entenderem, ouvirem e debaterem Duke Ellington, os Ellingtonianos.
Ninguém chama Duke Ellington de instrumentista, ele jamais seria apresentado apenas como arranjador e mesmo o termo compositor, assim, solto, gera algum desconforto. Qualquer das categorias apresentadas separadamente o reduzem a algo aquém do que foi. As pessoas de sua classe não nomeada, de raríssimos exemplares, atuam com equilíbrio de talento sobre o tripé da composição, da execução e da escrita de arranjos. Entendi, depois de ouvir lá pelo o 26ª podcast de Zuza sobre Dancers in Love, por que o pesquisador me disse certa vez que não havia correspondente de Duke no Brasil. Nem nossos heróis?, quis saber eu. Nem Tom Jobim? E ele disse de novo: "Não". Não tivemos ninguém que fizesse pela música brasileira o que Duke Ellington fez pela música norte-americana? É difícil saber que não.
Ellington teve uma profundidade musical do mesmo nível de seu poder de comunicação, uma lógica já decretada impossível por analistas de mercado artístico e que se mostra muitas vezes no inverso do 'efeito Duke': quanto mais simples em harmonias, melodias e letra, maior sua comunicação; quanto mais elaborada, menor seu alcance. Nem tudo em Duke Ellington seria de arrebatamento imediato, a exemplo de Satin Doll, de 1953, feita com Billy Strayhorn, de um poder cativante ao primeiro segundo, inspirada em uma stripper negra e que fazia parte das despedidas de Duke de seus concertos (e aqui, muito do que for dito será mera reprodução do que ensina Zuza em seus 50 podcasts) ou em Take The A Train, esta só de Strayhorn, composta sobre o metrô da linha A que deveria levar o pianista Strayhorn até o Harlem, para ensaiar com Duke.
In a Sentimental Mood, escrita em 1935, não requer conhecimento, mas entrega; não exige iniciação, mas sensibilidade. Assim, quando bate à porta, só precisa que alguém a abra e a convide para entrar. É só o que pede. Inesgotável pelo número de regravações e rearranjos que já recebeu, de Art Tatum a Bill Evans, de Sonny Rollins a Billy Joel, esta melodia nasceu do ponto de choque entre amores em disputa. Ao perceber que duas mulheres estavam à beira do estapeamento por um rapaz, Duke as fez sentarem-se uma de cada lado seu, ao piano, e propôs uma canção para acabar com o desentendimento. A melodia saiu assim, como uma entrega ao próximo de amor incondicional, que fez as moças se emocionarem e fazerem as pazes ali mesmo.
Duke Ellington, já perto do 45º podcast (Blood Count, de 1967) ou do 46º (Lotus Blossom, de 1959), já soa como alguém que não nos busca mais, mas que precisamos urgentemente buscar em nome da salvação de sentimentos que ainda nos restam, do susto e da surpresa que podemos recuperar, do silêncio e do tempo que nos habita. Um jazz que não tem espaço para deitar os egos dos instrumentistas nem a pressa dos ouvintes só pode nos fazer melhores.