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Crítica e crônica

Arthur Maia: a morte de um gigante do contrabaixo

Sidemen, os homens do lado. Um jeito carinhoso que os jazzistas norte-americanos criaram para se referir aos músicos que passam suas vidas, apesar de seus talentos descomunais, ao lado de estrelas que, muitas vezes, nem tocam tanto quanto eles. O termo acabou migrando para outros gêneros e se tornou comum até mesmo no rock. Em última análise, até John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Pete Best, o primeiro baterista dos Beatles, atuaram como sidemen. Isso nos primórdios, nos becos da noite de Hamburgo, na Alemanha, quando tocaram para o bem aventurado Tony Sheridan, inglês que entrou para a história graças ao seu feito de estar na hora, no bar, na rua, no País e no hemisfério certo naquele começo de anos 1960.

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Por Julio Maria
Atualização:

Ao lado de Gil, Arthur Maia esteve na reunião dos sonhos, o dream team da música brasileira dos anos 1990. Um palco pequeno e quente no auge do projeto acústico que a MTV promovia pelo mundo, ganhando milhões com a fantástica ideia de colocar o povo para tocar com menos volume, menos peso e mais alma. Maia era o baixista, atrás de Gil, colocando as notas certas de seu 'som gordo' de baixo Fender que ele tanto adorava a serviço da voz mais que brilhante de um Gil em plena forma física e espiritual. Um núcleo de músicos do Rio tinha ainda Jorginho Gomes na bateria, bandolim e vocal; Celso Fonseca no violão; Marcos Suzano na percussão; e Lucas Santtana na flauta transversal e no caxixi. Um acústico que deveria ganhar todas as honras de Estado no ano que vem pelos seus 25 anos de existência (coloquemos na pauta, amigos repórteres). Gil se diverte tanto com o som absurdamente redondo que lhe chega que até sorri de êxtase enquanto canta 'Refazenda', 'Aquele Abraço', 'Expresso 2222'.

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Um pouco antes, encravado no meio dos anos 1980, Maia havia tentado embarcar na leva de rock radiofônico criando a banda Egotrip com o baterista Pedro Gil, filho de Gil. Um instrumental poderoso para letras nem tão poderosas assim que misturava rock e funk (o funk fica pelos slaps que Maia usou por anos quase que de forma exagerada). Cinco anos depois da criação do grupo, em 1990, Pedro Gil sofreu um acidente de carro e morreu. A banda, e a tentativa mais pop de Maia, acabava ali. O baixista, no entanto, transbordou aos grupos e aos frontmen que seguia. Gravou com nomes cada vez maiores, fez parte do monumental grupo Cama de Gato e desenvolveu uma linguagem de música instrumental cheia de suingue, com menos slaps (uma técnica de se estalar as cordas do baixo percussivamente muito em moda nos anos 80) e uma doçura de fraseado conseguida pela sua paixão pelo baixo fretless, uma peça que não usa trastes entre as casas do braço do instrumento, ligando todas as notas com muita suavidade.

O último show que puder ver de Maia foi logo depois da inauguração da casa de jazz Blue Note, no Rio, há pouco mais de um ano. Ele era integrante de luxo do grupo residente, ao lado de Jessé Sadoc (trompete), Marcelo Martins (sax e flauta), João Castilho (guitarra), Glauton Campello (piano) e Renato Massa (bateria). Maia tocava sério, como sempre, mas olhando muito para baixo. Algo me preocupou ali, mas poderia ser apenas um dia ruim. Na manhã deste sábado, 15 de dezembro de 2018, ele se foi, aos 56 anos, vítima da pausa súbita e eterna do coração que os médicos chamam de parada cardíaca e os músicos, de fermata, aquela que dura até que alguém faça a contagem, olhe para o músico ao lado e recomece a magia de onde imaginamos que ela havia terminado.

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