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Opinião|Verdi e Mozart, nos cinemas

"Un Ballo in Maschera" e "La Clemenza di Tito" serão transmitidas nos cinemas brasileiros direto do Metropolitan Opera House de Nova York

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Foto do author João Luiz Sampaio
Atualização:
 Foto: Estadão

NOVA YORK

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"Ambientar 'Um Baile de Máscaras' em Boston é como transferir 'La Traviata' para Munique", escreveu certa vez o musicólogo inglês e grande pesquisador da ópera do século 19 Philip Gossett. Quando começou a trabalhar na obra, Verdi a ambientou na Suécia - mas os censores da época não gostaram da ideia de um monarca europeu assassinado sobre o palco. Assim, o rei Gustavo atravessou o Oceano Atlântico e, durante a viagem, se tornou o conde Riccardo - e os Estados Unidos passaram a ser o cenário para o triângulo amoroso entre ele, Renato e Amelia.

Mais de um século depois, não é incomum que diretores recuperem os nomes originais - Riccardo vira Gustavo e Renato, Anckarstrom - e levem a história de volta para a Suécia. E é esse o ponto de partida da nova produção de David Alden para o Metropolitan, que será exibida no dia 8 de dezembro nos cinemas brasileiros. A Suécia do diretor, no entanto, não é recriada de modo naturalista - e mesmo com relação à época em que a história se passa, ele toma liberdades, criando sobre o palco um universo que remete ao século 20 e ao cinema noir.

Artistas costumam, vez ou outra, reclamar do conservadorismo da crítica perante montagens ousadas. Mas há produções em que é possível inverter a choradeira. É o caso deste "Baile de Máscaras". Isso porque Alden parece hesitante em sua proposta, conceitualmente estimulante, e, por cima dela, estabelece uma metáfora que a reduz. Gustavo é um monarca arrogante, considera-se imbatível, ignora alertas a respeito de tramas para derrubá-lo e investe contra a mulher do amigo Renato, única voz fiel em todo o reino. E o diretor, então, cobre o palco durante todo o espetáculo com uma enorme imagem renascentista de Ícaro, aquele que não soube reconhecer os próprios limites e, chegando perto demais do sol, viu derreter as asas de cera que o fizeram voar.

Verdi procura se afastar de temas mitológicos e, quando escreve "Um Baile de Máscaras", busca exatamente a dramaticidade que nasce dos conflitos que definem a alma humana, personagens de carne e osso que ele tão bem soube retratar. Nesse sentido, a comparação com Ícaro soa descabida. Ainda assim, o problema principal é que a metáfora não parece forte o suficiente para sustentar a narrativa e, a todo instante, enfraquece o componente visual noir da concepção. Alden ousa, ma non troppo, enfraquecendo a dramaturgia contemporânea que parecia propor.

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O espetáculo, ainda assim, é fluente - e uma oportunidade de ouvir o novo titular da casa, o maestro Fabio Luisi, em perfeita comunhão com sua orquestra, comandando também um elenco de belas vozes: o tenor Marcelo Álvarez, o barítono Dmitri Hvorostovsky, a soprano Sondra Radanovsky, que esteve no Rio no ano passado cantando Tosca, e a veterana mezzo-soprano Dolora Zajick.

Confira os locais de exibição de "Un Ballo in Maschera"

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 Foto: Estadão

Antes do Verdi, neste próximo sábado, dia primeiro, a atração das transmissões do Metropolitan é "La Clemenza di Tito", de Mozart, com libreto baseado no texto de Metastasio (que por sua vez inspirou-se em Suetônio) sobre o imperador romano Tito. Mozart recupera o formato da opera seria - e isso, aliado ao fato de que a ópera foi escrita sob encomenda para a coroação de um imperador e tem como mensagem a necessidade de retidão moral, muitas vezes deu ao título a pecha de peça menor, certamente inferior à trilogia Don Giovanni/Bodas de Fígaro/Così Fan Tutte. Mas, típica da fase final do compositor, "La Clemenza di Tito" traz uma série de inovações para o gênero opera seria, com liberdades que levam à complexa caracterização dos personagens.

A montagem levada pelo Met está há quase 30 anos em seu repertório, assinada por Jean Pierre Ponnelle. Cenários e figurinos tradicionais, grandiosos, monolíticos quase. O que, de certa forma, joga toda a atenção no canto e na atividade da orquestra que, sob regência de Harry Bickett, especialista nos repertórios barroco e clássico, consegue extrair sonoridade bastante característica da sinfônica do teatro. Muito tem se falado nos Estados Unidos do tenor italiano Giuseppe Filianoti, revelado há alguns anos pelo Metropolitan, mas confesso que sua atuação me decepcionou. Na trama, Tito, símbolo da virtude, se vê às voltas com traições de todos os tipos - mas seu espírito elevado triunfa e o faz perdoar aqueles que, por alguns instantes, o fizeram duvidar do valor de uma vida de correção. Filianoti, no entanto, cria uma figura estóica que parece pairar à margem da trama, como se seu caminho estivesse livre de conflitos.

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Por conta disso, dominam o palco os demais personagens: o comovente Sesto de Elina Garanca é um jovem atormentado, levado a trair seu imperador pelo desejo por Vittelia (Barbara Fritoli, em atuação apenas correta). Da mesma forma, como Annio, Kate Lindsey é uma revelação, ampliando as possibilidades de um personagem normalmente relegado a segundo plano, o que pode ser dito também de Lucy Crowl, fazendo sua estreia no Metropolitan, e sua Servilia. São dois nomes aos quais convém prestar atenção nas próximas temporadas.

Confira os locais de exibição de "La Clemenza di Tito"

Opinião por João Luiz Sampaio

É jornalista e crítico musical, autor de "Ópera à Brasileira", "Antônio Meneses: Arquitetura da Emoção" e "Guiomar Novas do Brasil", entre outros livros; foi editor - assistente dos suplementos "Cultura" e "Sabático" e do "Caderno 2"

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