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Música clássica... E um pouco de tudo

Opinião|Uma conversa com Angela Hewitt, sra. Bach

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Atualização:

No final da semana passada, pouco antes de embarcar para o Brasil, a pianista canadense Angela Hewitt estava preocupada. Recebeu uma ligação de São Paulo com uma notícia preocupante: o hotel em que ficaria hospedada não autorizou a colocação em seu quarto de um teclado onde ela pudesse estudar. Estavam preocupados com o barulho. "Eu falei para eles colocarem o maestro no quarto ao lado, mas acho que eles não gostaram da brincadeira", escreveu ela no sábado em seu blog. A solução seria um teclado com fone de ouvido - e Angela resolveu acionar todos os conhecidos brasileiros para a tarefa.

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A tática deu certo? "Parece que amanhã de manhã vão me entregar um teclado, bem cedinho", diz ela já em São Paulo, na tarde de segunda, quando conversou com o Estado. No domingo, não teve jeito, usou o piano do bar do hotel. "O gerente disse que bastante gente comentou que o som estava agradável", brinca. "Eu sei que parece chatice de pianista, mas não é. Tenho muito repertório a preparar e é importante ter um piano à disposição", explica, divertindo-se. Ainda em agosto, ela vai tocar pela primeira vez a Sinfonia Turangalila, de Messiaen, peça-chave do repertório para piano do século 20. Precisa estudar, diz. Mas, antes, faz a primeira viagem ao Brasil. De hoje a sábado, toca Schumann e Mozart com a Osesp regida por Hannu Lintu; e, no domingo, sobe ao palco da Sala São Paulo para um recital solo que está entre os mais aguardados do ano, no qual vai interpretar as Variações Goldberg, de Bach.

Hewitt e Lintu estão no meio de um projeto de gravações dos concertos para piano de Mozart. A princípio, ela não vê relação imediata entre o de nº 27 e a Introdução e Allegro de Schumann, as duas peças de seu programa em São Paulo. Mas, aos poucos, estabelece paralelos. "Elas são bastante diferentes entre si, mas ao mesmo tempo combinam bem com a Sinfonia nº6 de Beethoven, que a orquestra toca na segunda parte. O Schumann é muito pouco tocado, uma peça bastante virtuosística, mas de um virtuosismo que funciona a serviço da musicalidade, da beleza musical. O Mozart é também muito especial, seu último concerto. É sempre curioso pensar o que ele teria feito em seguida, para onde sua música iria. A peça tem várias atmosferas, temperamentos. E um senso de melancolia muito grande, que perpassa até os trechos mais alegres. No fundo, há uma tristeza comum. E o mesmo vale para o Schumann. Talvez as peças tenham este clima em comum, e o fato de serem da fase final de seus autores."

A euforia que ronda a passagem de Angela Hewitt pelo Brasil, porém, não está nos seus concertos com a orquestra mas, sim, no recital que ela faz domingo. A expectativa é justificada. Em 1994, Hewitt começou a gravar a obra completa de Bach para teclado para o selo Hyperion. Onze anos depois, o projeto chegava ao fim - e ela recebia a alcunha de grande intérprete, em nossa época, da música do compositor, responsável por gravações que a colocariam em um panteão repleto de pianistas de peso. Ela não aceita ou nega o veredicto, prefere falar da relação pessoal que desenvolveu com Bach - o que nos leva ao início de seu contato com a própria música. "Com ele eu fiz minha carreira, com ele, eu fiz a minha vida." O pai de Hewitt era organista da Catedral de Ottawa e, portanto, "a música de Bach era uma constante desde a infância". Nessa época, a menina se divertia estudando violino e dançando balé. Chegou a dançar coreografias a partir de partituras de Bach, lembra. "Mas eu sempre soube que era com o piano que me saía melhor e, aos 15 anos, quando passei a estudar com Jean-Paul Sévilla, um homem extremamente apaixonado pelo repertório para piano, resolvi então me dedicar a ele exclusivamente."

Hewitt define como uma viagem o processo de gravar toda a obra de Bach. Onze anos de trabalho depois, diz que descobriu a importância enorme que um certo sentido de alegria e de dança que perpassa sua música. "E, claro, a profundidade, a expressividade que essas obras têm. E, com o passar dos anos, elas foram importantes para que eu entendesse a mim mesma e crescesse com elas emocionalmente." Sobre as Variações Goldberg, ela diz que estão entre "as obras musicais mais completas da história". "As 32 variações sugerem uma estrutura conjunta e, ao mesmo tempo, têm uma vida própria, a qual é importante estar atento. Depois de anos tocando elas em recitais, percebo que poucas obras são capazes de tocar tanto as pessoas. O motivo? Não sei, é um mistério e tenho a sensação de que é melhor deixar assim."

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Opinião por João Luiz Sampaio

É jornalista e crítico musical, autor de "Ópera à Brasileira", "Antônio Meneses: Arquitetura da Emoção" e "Guiomar Novas do Brasil", entre outros livros; foi editor - assistente dos suplementos "Cultura" e "Sabático" e do "Caderno 2"

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