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Opinião|Teatro Municipal do Rio, nova temporada, velhos desafios

Pela diversidade de títulos e pelos artistas envolvidos, a temporada 2016 chega com boas notícias - ainda mais se, com ela, vier a modernização da instituição

Foto do author João Luiz Sampaio
Atualização:

Estive no Rio na semana passada, para conhecer um projeto da compositora Jocy de Oliveira que leva a música contemporânea para crianças. E aproveitei para acompanhar o lançamento da temporada 2016 do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. A expectativa era grande: ao assumir o posto de presidente da fundação, no meio deste ano, o compositor João Guilherme Ripper e o diretor artístico André Cardoso programaram às pressas uma temporada para o segundo semestre com quatro óperas, além da série de concertos. De uma hora para outra, o Rio voltou a produzir e se inserir com protagonismo na cena operística nacional. O próximo passo, então, seria ver o que o teatro pretendia para 2016. E a temporada, pela diversidade de títulos e pelos artistas envolvidos, chega como uma boa notícia.

 Foto: Estadão

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A programação terá seis produções de ópera, uma produção que une uma ópera e um balé e uma nova série de câmara, com a apresentação de quatro títulos. Na série principal, o ano começa com Don Quixote, de Massenet, com Luiz Fernando Malheiro e Jorge Takla (em coprodução com o Theatro São Pedro de São Paulo). Segue com La Bohème (Eduardo Strausser/ Arnaud Bernard), produção original do Theatro Municipal de São Paulo; novas montagens de Orfeu e Eurídice, de Gluck (com Abel Rocha e Caetano Vilela), de O Barbeiro de Sevilha, de Rossini (Silvio Viegas/Pablo Maritano), e de Lo Schiavo, de Carlos Gomes (Roberto Duarte/Pier Francesco Maestrini). E se encerra com versão da Cia. Ópera Livre para a Jenufa, de Janácek (Rodolfo Fischer/André Heller-Lopes). Mozart & Salieri, de Rimsky Korsakov, será apresentada em dobradinha com o balé Sheherazade (Tobias Volkman/Daniel Herz). E, na série de câmara, com óperas em concerto, sobem ao palco Serse, de Händel; Savitri, de Holst; Dido e Enéas, de Purcell; e uma obra inédita de Tim Rescala. Por sua vez, a temporada de concertos tem como foco grandes obras corais, como o Réquiem de Verdi e a Missa Solene, de Beethoven, além da música de autores brasileiros.

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O anúncio da temporada, nas palavras de Ripper, vem associado a uma nova ideia de teatro ­- ou, ao menos, na recuperação de uma ideia antiga, a de que um teatro de ópera e balé precisa oferecer ao público ópera e balé (respeitando, obviamente, a diversidade e as características próprias de cada instituição). Parece óbvio, mas a história recente do Municipal do Rio sugere o contrário. Para ir contra esse legado, ele defende a ideia de que o espetáculo é "um ponto de chegada de uma estrutura ampla, quase industrial, que está a serviço do palco". E, por isso, anunciou também iniciativas como a retomada da construção da Central Técnica Porto Maravilha (que terá como foco a troca de conhecimentos entre profissionais do teatro e aprendizes) e a criação da Academia de Ópera Bidu Sayão, dedicada a ajudar a formar novos cantores e coordenada pelo tenor Eduardo Álvares - os cantores da academia serão responsáveis também pelas apresentações das óperas de câmara.

A experiência da ópera brasileira costuma frustrar, sem a menor cerimônia, projeções e expectativas. Não é por acaso. Projetos de temporadas duram pouco tempo se não houver por trás delas um lastro institucional sólido. O funcionamento do Municipal do Rio de Janeiro, assim como acontece com toda estrutura desse porte ligada ao poder público, tem becos e esquinas obscuros, em que residem vícios como o personalismo e um corporativismo fora de moda, mais interessado em manter o status quo do que na criação de novos projetos. Se a gestão de Ripper conseguir, como parece pretender, forjar uma nova realidade institucional, mais moderna, aberta ao diálogo com a sociedade e outros teatros, será algo realmente bonito de se assistir.

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 Foto: Estadão

Após o lançamento da temporada, subiu ao palco do Municipal, na noite de quinta, uma montagem da ópera As Bodas de Fígaro, de Mozart. A produção é a mesma apresentada no ano passado no Theatro São Pedro de São Paulo, assinada pela diretora Lívia Sabag. Muito tem se falado sobre os cenários (belíssimos, por sinal) de Nicolas Boni e da opção da equipe criativa por uma linguagem visual de corte tradicional. Não me parece ser este, no entanto, o principal elemento da concepção. Tanto no São Pedro como no Municipal, chama atenção, acima de tudo, a atenção com a direção de atores. Essa tem sido uma preocupação constante da diretora, e parece nascer de um cuidadoso trabalho de investigação da relação entre texto, palavra e música. É, nesse sentido, um mergulho na própria essência do gênero - seja em comédias ou em dramas (basta lembrar a sua excepcional Salomé, de Strauss, apresentada em 2014 no Municipal de São Paulo). Do ponto de vista musical, o maestro Tobias Volkmann traz claramente ideias bem concebidas a respeito da partitura, tentando encontrar novos e interessantes aspectos. No todo, porém, ao menos na noite de estreia, a récita teve desempenho irregular, em especial por conta de problemas na orquestra e no elenco - Douglas Hahn e Maira Lautert, como o conde e a condessa, ofereceram interpretações pouco convincentes e expressivas, em oposição ao desempenho desenvolto cenica e musicalmente de Rodrigo Esteves e Carla Cottini, como Figaro e Susanna.

Opinião por João Luiz Sampaio

É jornalista e crítico musical, autor de "Ópera à Brasileira", "Antônio Meneses: Arquitetura da Emoção" e "Guiomar Novas do Brasil", entre outros livros; foi editor - assistente dos suplementos "Cultura" e "Sabático" e do "Caderno 2"

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