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Música clássica... E um pouco de tudo

Opinião|Teatro feito de vozes

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BELÉM

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Do início ao fim da carreira, Verdi seguiu rumo a uma maturidade marcada pela revolução do drama musical italiano. Essa é uma das verdades mais repetidas acerca do trabalho do compositor. Mas, como aponta Gilles de Van no livro "Verdi's Theatre" (O Teatro de Verdi), sugere que as últimas óperas do autor são melhores ou mais importantes do que as iniciais, transformadas em meros pontos de passagem cujo interesse artístico seria bem menor.

Nessa linha de raciocínio, como definir títulos como "Trovatore", "Rigoletto" ou "La Traviata", a chamada trilogia romântica, criações que estão entre as mais populares do compositor - mas que, cronologicamente, estão mais próximas do início de sua carreira do que de sua chamada fase madura? O musicólogo italiano Massimo Mila oferece uma resposta, definindo a existência de dois Verdis, um culminando com a composição da trilogia e o outro, com "Otello" e "Falstaff", suas duas últimas criações.

Em qualquer dessas fases, há porém, um elemento comum: a primazia da voz. Seja na proximidade com o passado bel cantista (em que a voz era o começo, meio e fim de um espetáculo), seja na busca de um novo drama (em que o teatro se impõe perante música e texto e sugere entre elas uma nova ligação), ela jamais perde seu protagonismo - e está constantemente ganhando em possibilidades expressivas. E talvez por isso, mesmo no Verdi do início da carreira, a marca da revolução já se faça presente.

Essas ideias passam pela cabeça durante a apresentação de "Il Trovatore", na semana passada, no Festival do Theatro da Paz, que realiza ao longo de agosto e setembro seu festival de ópera. E isso se dá em parte pelo próprio caráter da montagem, assinada pelo diretor Mauro Wrona. Os figurinos, de época, não sugerem ousadias estéticas; os cenários são simples, mínimos, em diálogo com um trabalho de luz de tons escuros, discreto e funcional. E se a simplicidade não se torna monótona é apenas porque o diretor sabe conduzir os cantores com eficiência pelo espaço cênico, respeitando as sugestões do libreto e da música. Como consequência, o foco está todo no canto - e na interpretação dos solistas, acompanhados com segurança, musicalidade e senso teatral pelo maestro Sílvio Viegas, que esteve à frente da Orquestra Sinfônica do Teatro da Paz.

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Contrastes

O libreto de "Trovatore", ambientado na era medieval, fala de nobres, crianças roubadas, ciganos, guerra - e nem sempre o faz com uma linguagem teatral fluente, em especial perante nosso olhar contemporâneo. Ainda assim, o texto carrega elementos de uma das principais alterações feitas por Verdi - trazer para o centro de suas histórias figuras marginais. E isso é consequência do desejo do compositor de retratar personagens mais complexas, explorando para isso as possibilidades expressivas do gênero operístico por meio de uma linguagem feita de meias-tintas e contrastes.

É apenas nesse sentido que a interpretação do tenor italiano Walter Fraccaro deixa um pouco a desejar, uma vez que seu Manrico aposta exclusivamente no caráter heroico da personagem - ainda que, nesse recorte, seu desempenho seja excepcional, demonstrando vigor vocal e facilidade em especial nas regiões mais agudas da voz. Na mesma linha, o Conde de Luna de Rodolfo Giuliani, de belo timbre, é apenas correto - assim como o Ferrando do baixo Sávio Sperandio, em que pese certa falta de agilidade na ária inicial.

Assim, os grandes destaques da noite de estreia, na quarta-feira, foram as mulheres. Como Leonora, a soprano Eliane Coelho ofereceu uma leitura matizada, atenta às palavras e à construção de um arco de transformação da personagem que se inicia com a ária "Tacea la notte placida", no primeiro ato, e se consolida em "D'amor sull'ali rose", na parte final da ópera.

Já a meio-soprano Denise de Freitas criou uma caracterização intensa da cigana Azucena, perdida entre rastros de razão e a loucura que a levam constantemente a extremos - e, ainda assim, permitem momentos de extrema delicadeza. Inesquecível.

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Opinião por João Luiz Sampaio

É jornalista e crítico musical, autor de "Ópera à Brasileira", "Antônio Meneses: Arquitetura da Emoção" e "Guiomar Novas do Brasil", entre outros livros; foi editor - assistente dos suplementos "Cultura" e "Sabático" e do "Caderno 2"

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