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Opinião|Osvaldo Golijov: plágio ou citação?

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Atualização:

O compositor argentino Osvaldo Golijov, um dos mais celebrados autores contemporâneos, está sendo acusado de plágio nos Estados Unidos. O crítico e compositor americano Tom Manoff o acusa de ter plagiado o compositor e acordeonista Michael Ward-Bergeman na peça Sidereus, estreada em 2010. A denúncia trouxe à baila uma outra acusação, feita em um texto publicado no início de janeiro no Caderno 2 pela jornalista Lúcia Guimarães que, após assistir à apresentação do quarteto de cordas Kohelet em Nova York, identificou na partitura trechos de uma conhecida canção brasileira.

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Manoff assistiu na semana passada à interpretação de Sidereus pela Sinfônica de Eugene, no Oregon. No programa, está dado o crédito pela utilização de uma melodia de Ward-Bergeman na peça. "Mas a música que ouvi usa muito mais do que uma melodia. Pelo menos metade da peça eu já conhecia como Barbeich, de Ward-Bergeman, estreada em 2009", escreveu ele em seu site, chamando a atenção do jornalista Bob Keefer, que repercutiu a história em artigo publicado no jornal Register Guard, lembrando que a peça foi escrita como encomenda por um consórcio de 35 orquestras de todo o mundo - a Osesp a interpretou em 2010.

A história ganhou as páginas da imprensa americana, sendo tema de artigos em veículos como o Washington Post e a revista New Yorker, que recuperam também o texto publicado no Estado por Lúcia Guimarães. Em sua coluna no Caderno 2 de 9 de janeiro, ela escreveu que reconhecera durante um concerto uma canção "composta por dois cariocas vivinhos da silva" em meio à peça de um "Grande Compositor Vivo". Procurou o autor e ele concordou em retirar de Kohelet o que chamou de "citação" à obra dos brasileiros. Na noite de segunda-feira, porém, ao saber da denúncia de Manoff, a jornalista resolveu detalhar em seu blog a história que havia narrado e revelou que o "Grande Compositor Vivo" era Osvaldo Golijov. "Ao ler seu artigo, soube que precisava me pronunciar", disse ao jornalista Bob Keefer.

Em seu blog no portal Estadão.com.br, ela publicou a conversa que teve com Golijov sobre o tema. Nela, o compositor diz estar arrependido de ter utilizado a canção em sua obra e explica: "Eu não tinha a partitura comigo e fiz questão de não consultá-la. Eu adorava a canção. E tomei a decisão consciente de fazer o que eu considerava uma homage, uma citação. Era como se fosse um sonho, como numa pintura de Salvador Dalí. Mas quando ouvi a sua surpresa, percebi que era impossível manter a melodia. Eu achei que o que fiz em Kohelet era semelhante ao que Gil Evans fez com a música espanhola para a gravação com Miles Davis. Em As Bodas, por exemplo, Igor Stravinski cita tanta música que um autor citado, se vivo, poderia dizer, espera aí, isto é meu. Da próxima vez, eu vou direto à partitura para ter certeza de que não estou me lembrando demais do original". Crítico da revista New Yorker, e um dos primeiros autores a celebrar a obra de Golijov no início dos anos 2000, Alex Ross disse em depoimento ao blog de Guimarães que considera "estes últimos acontecimentos perturbadores". Sabíamos que ele incorporava outras vozes e colaboradores em sua música, mas fazia isso de maneira mais aberta. Eu tenho um problema com a possibilidade de algo ter sido escondido dos ouvintes. Além do debate sobre quanto Golijov é o autor de uma peça, o resultado não tem sido particularmente bom ou à altura de seu trabalho anterior. Houve cancelamentos de premières por composições não concluídas a tempo. Ou composições, como é o caso de Sidereus, muito mais curtas do que se espera de uma comissão", disse.

Até ontem, Golijov recusou-se a falar sobre a polêmica em torno de Sidereus - sua assessoria informa que ele está trabalhando em uma nova obra e não pode ser incomodado. Por sua vez, Ward-Bergeman disse que ele e Golijov haviam chegado a um acordo sobre a utilização de Barbeich e que não havia nada mais a dizer sobre o assunto. Sobre Kohelet, no entanto, o compositor diz que "não existe 100% de pureza na música ou na vida". "Uma vez que você dispõe das 12 notas, não há como evitar... a vida nasce da vida." Ross questiona o argumento. "A história da música clássica é cheia de 'empréstimos', mas os fins justificam os meios quando o resultado é uma grande obra que emerge do processo. Ao mesmo tempo, nós vivemos num mundo de leis de copyright que existem para que se respeite a propriedade intelectual. Então, não acho correto comparar nosso mundo ao mundo de Beethoven ou de compositores que incorporavam elementos de outros em suas obras. O importante, hoje, é deixar bem claro para o público a origem de um trabalho." Já Anne Midgette, crítica do Washington Post, relembra que a obra de Golijov sempre foi marcada por citações e misturas de influências e fontes - e questiona a acusação de plágio, uma vez que a utilização de Barbeich se deu com a autorização do compositor. No entanto, ela acredita que essa história faz parte de um "padrão que pode se tornar extremamente problemático para Golijov no futuro - para não falar no modo como pode diminuí-lo como artista".

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Opinião por João Luiz Sampaio

É jornalista e crítico musical, autor de "Ópera à Brasileira", "Antônio Meneses: Arquitetura da Emoção" e "Guiomar Novas do Brasil", entre outros livros; foi editor - assistente dos suplementos "Cultura" e "Sabático" e do "Caderno 2"

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