"Uma cidadezinha construída na vasta planície rica, dourada, verdejante, cujo silêncio tem não sei o quê de sonhadora majestade, aumentada pelo cinturão de montanhas que limita ao sul e a leste, e por trás da qual erguem-se, ao longe, carregados de geleiras, os picos gigantes dos Alpes" - assim Hector Berlioz definiu La Côte-Saint André, sua cidade natal. Localizada no sudeste da França, a cerca de uma hora de carro de Lyon e Grenoble, tem hoje pouco mais de quatro mil habitantes - e faz da memória do compositor uma de suas marcas.
É aqui que, anualmente, um festival celebra sua música. O tema deste ano é Berlioz en Amérique, Berlioz na América, em tempos de revoluções industriais. "Gostamos de imaginar o artista romântico em meio a um cenário idílico, entre campos e riachos, cabelos ao vento, a mão sobre o coração. Mas Berlioz viveu no tempo da locomotiva, das usinas hidroelétricas, das primeiras grandes explorações (têxteis, de minério, metalúrgicas", diz Bruno Messina, diretor artístico, explicando o conceito por trás da temática da programação.
A obra de Berlioz é onipresente, claro, mas há também espaço para outros compositores: norte-americanos, brasileiros, franceses, russos. O Brasil aparece triplamente, aliás: com a Orquestra Jovem do Estado, que faz dois concertos - um deles com Villa-Lobos e a Sinfonia Fantástica do filho da terra; com o cravista Bruno Procopio, em recital dedicado a Rameau; e com um grupo de choro que vai se apresentar todas as noites na taverna do Castelo Louis XVI. A Sinfônica de Lyon, por sua vez, toca duas vezes, regida por Joana Carneiro e Leonard Slatkin; e John Elliot Gardiner comanda a Sinfônica de Londres no Romeu e Julieta de Berlioz. Entre os solistas convidados, os irmãos Renaud e Gautier Capuçon e a meio-soprano Anna Caterina Antonacci.
Há muita música de câmara prevista. Assisti agora a um recital do pianista Jean-Frédéric Neuburger e do violinista Nicolas Dautricourt, na igreja da cidade, mas estou de olho mesmo na integral das sonatas para piano e violoncelo de Beethoven, com François Frédéric-Guy e Xavier Phillips, que começa amanhã. Enfim, a programação está apenas no início. E, daqui a pouco, no castelo, será apresentado Christophe Colomb, obra de Félicien David, com a Orchestre Les Siècles regida por François Xavier-Roth. A ver.