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Opinião|Don Giovanni ou Drácula?

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Foto do author João Luiz Sampaio
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Os dois romperam com as convenções da sociedade em que viveram; perante a reação daqueles que não os compreenderam, jamais se resignaram - ao contrário, seguiram até o fim, certos de suas convicções, e dispostos a enfrentar as consequências de seus atos. O diretor Pier Francesco Maestrini está falando de Drácula e Don Juan. E ambos estarão juntos no palco do Teatro Municipal, em uma montagem do "Don Giovanni", versão de Mozart para a história do conquistador de Sevilha.

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A produção estreia na quinta-feira e terá sete récitas até o dia 22 - de acordo com o Municipal, ainda há ingressos para Galeria e Anfiteatro, com exceção das apresentações dos dias 15 e 21. A montagem vem do Municipal de Santiago, onde estreou em 2012 sob direção de Maestrini. Os dois elencos selecionados pelo teatro brasileiro, no entanto, reúnem novo grupo de cantores, que inclui nomes como os barítonos Nicola Ulivieri e Leonardo Neiva, o baixo Saulo Javan e as sopranos Luciana Melamed, Andrea Rost, Adriane Queiroz e Monica Bacelli.

Maestrini conta que a montagem se desenhou em sua mente durante um bom tempo, desde que cursava a faculdade, e encontrou eco em um texto do autor italiano Alessandro Baricco, "Drácula, Sósia de Don Giovanni". "Fazendo minhas as palavras de Baricco, e sobrepondo Drácula a Don Giovanni, a primeira coisa que chama a atenção é o mesmo enredo simples: uma comunidade aparentemente sã é afetada pela incursão de uma força alienígena que começa a consumi-la por dentro", explica.

Para Maestrini, há um caráter mitológico no "Don Giovanni" de Mozart, o que explica a maneira como a história segue se relacionando com as plateias de todo o mundo - e de todas as gerações. "Drácula e Don Giovanni possuem um poder de atração magnética: ambos são fisicamente e mentalmente irresistíveis aos que procuram. Isso dá a eles um quê de eternidade mítica. Ser um vampiro emocional ou um Don Giovanni tornou-se um assunto comum, uma marca de várias gerações quando se deseja descrever o caráter de uma pessoa."

Mozart qualificou "Don Giovanni" de drama giocoso, ou seja, propôs uma união entre drama e comédia - e, para o diretor, trabalhar esses dois universos é fundamental para que cada personagem apareça com todas as suas possibilidades expressivas. Ao mesmo tempo, ele ressalta a qualidade do texto do libretista Lorenzo Da Ponte. "Se você ler em voz alta o texto da ópera, em italiano, as pessoas na Itália vão compreender, porque ele é claro, direto, moderno. E o mesmo não vai acontecer com os textos mais arcaicos de óperas de Verdi ou Puccini, que vieram tempos depois."

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Conversando com o "Estado" em seu camarim no Municipal, pouco antes de mais um ensaio no final da semana passada, o maestro Yoram David se diz animado com o conceito cênico proposto por Maestrini. Em especial porque é extremamente cuidadoso com o texto de Lorenzo Da Ponte. "Há três duplas de escritores e compositores que, para mim, ajudaram a reinventar o gênero operístico: Hugo Von Hoffmanstahl e Richard Strauss, W. H. Auden e Igor Stravinski e, claro, Da Ponte e Mozart", diz.

Para o maestro, há algo de muito "crível" nas personagens. "Não são pessoas de papelão e, talvez por conta disso, a história em que se envolvem ainda tenha algo a dizer para o público de hoje - e imagino que vá continuar sendo assim por muito tempo." David credita isso não apenas ao texto de Da Ponte mas, também, à música que Mozart escreveu, "repleta de invenções espantosas". "De certa forma, em momentos como o fim do segundo ato, as cores escuras, as harmonias, os sons já apontam para Beethoven."

Um exemplo é o modo como o compositor retrata as personagens femininas: Donna Anna, que tem o pai morto por Don Giovanni e pede a seu noivo Don Ottavio que se vingue por ela, e Donna Elvira, uma das conquistas do personagem, que vaga pela ópera atrás dele. "É como se Mozart já antecipasse Freud", brinca. "Donna Anna é o que Freud definiria como vítima de histeria. Ela canta sempre em piano e se você ouve o modo como as cordas acompanham sua primeira ária, percebe que talvez ela queira o duelo de Giovanni e Ottavio para que o conquistador mate o seu noivo, o que permitiria a ela viver também fora da norma. Já para Elvira, a música é sempre mais suave, mais doce, porque ela carrega um certo humor. É em casos como esse que música e teatro se unem de maneira indissociável."

Texto publicado na edição de 10/9/2013 na versão impressa do "Caderno 2"

Opinião por João Luiz Sampaio

É jornalista e crítico musical, autor de "Ópera à Brasileira", "Antônio Meneses: Arquitetura da Emoção" e "Guiomar Novas do Brasil", entre outros livros; foi editor - assistente dos suplementos "Cultura" e "Sabático" e do "Caderno 2"

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