Um pouco de perspectiva é sempre bom. Se olharmos as temporadas das últimas duas décadas, é inegável a maior atenção dada a cantores brasileiros. Isso se deveu, primeiro, a eventos como o Festival Amazonas de Ópera e à atuação de orquestras como a Experimental de Repertório, que inverteram a lógica na montagem das temporadas ao escolher os títulos a partir dos talentos disponíveis e, assim, ampliaram o mercado para brasileiros. Além disso, cresceu o número de espetáculos e isso permitiu aos cantores maior aperfeiçoamento e, consequentemente, voos mais audaciosos em termos de repertório - um círculo bem-vindo e desejável, sempre.
Mas, isso, obviamente, não quer dizer que vivemos o melhor dos mundos. Não - em especial porque, por mais que tenha crescido o número de espetáculos, eles ainda são poucos para abarcar o contingente de artistas que se forma a cada temporada. Além disso, faltam espaços - teatros - fora do circuito das grandes casas, em que cantores possam terminar sua formação, desenvolver experiência de palco e formar um repertório - nesse sentido, é muito importante um projeto como o Ópera Curta, que tem dado espaço a jovens artistas ao mesmo tempo em que se dedica a formar novas plateias.
Nunca é demais reforçar que a reivindicação dos artistas é válida e que este é um tema importante, do qual os diretores de nossos principais teatros não podem fugir. E, nesse sentido, a movimentação atual é importante justamente por trazer essa questão à tona. Ao mesmo tempo, porém, lendo o Manifesto pelo Artista Nacional que apresenta o abaixo-assinado, me ocorreram algumas questões. Faz sentido identificar um partido político como responsável por uma questão antiga e que já dura diversas gestões? Ou estamos politizando uma questão que nada tem de partidária? Em vez de exigir uma cota para artistas brasileiros, não seria mais interessante pedir, em todas as esferas estatais, políticas de investimento que ampliem o mercado brasileiro de ópera e, assim, deem chance a um número maior de artistas? Como nos comportaríamos se solistas brasileiros que hoje desenvolvem carreiras de sucesso mundo afora fossem mandados de volta ao Brasil em nome da defesa dos artistas locais? A história mostra que proibições e restrições não apenas não resolvem problemas pontuais como podem criar vícios que cobram preços altos no médio e no longo prazo. E, afinal, quando se individualiza um problema, a solução para ele dificilmente terá cores mais amplas, que levem a transformações de fato duradouras no cenário artístico.
A atividade operística, no Brasil, costuma infelizmente ficar à margem dos grandes debates - e que exista algum tipo de mobilização já é um dado novo e sem dúvida importante. Além disso, momentos como esse, é o que a gente espera, podem levar a transformações - e uma delas bem que poderia ser o fortalecimento de uma classe artística conhecida pela sua desarticulação. Mas, e disso nunca podemos nos esquecer, podem também levar a posturas redutoras, preconceituosas e nada democráticas. Algo importante e duradouro pode surgir desse debate. Seria uma pena jogá-lo fora.