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Um espaço para a discussão de ideias para nosso tempo

Rimas de Miguel Anjo - Quatro sonetos autobiográficos de Michelangelo Buonarroti

Por Estado da Arte
Atualização:

I. Pintando o teto da Sistina

A Giovanni de Pistoia

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Eu já fiz um bócio neste tormento,como na Lombardia a água com sujeirafaz aos gatos lá ou onde queira,um ventre que força o queixo num momento.

Um peito de harpia, a barba ao alento,a memória pesa o crânio na traseira;o pincel sobre a face qual goteira,me faz, gotejando, um rico pavimento.

Os lombos na pança se me entraram,e o cu contrapesa de garupa o dorso,e passos sem os olhos movo em vão.

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Adiante meus couros se estiraram,esticando-os atrás me contorço,qual um arco sírio em tensão.

Uma estranha ilusãosurge ao juízo que a mente porta,qual numa zarabatana um tanto torta.

Minha pintura morta,defende ora, Giovanni, e o meu valor,não sendo um bom lugar, nem eu pintor.

 

 

II. O modelo e a estátua

A Vittoria Colonna (segunda versão)

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Se bem concebeu a divina parteo rosto e os atos de alguém, aqueladupla força duma coisa vil modela,dá vida a pedras, e não é força d'arte.

Nem de outro modo num rude encarte,até que a pronta mão ao pincel apela,de doutas visões a mais lúcida e bela,prova e revê, e sua estória comparte.

Também de mim modelo de pouca estimaeu me pari, para de vós renasceralto e perfeito, dama digna e supina.

Se ao pouco acresce e ao meu muito limavossa graça, que pena há de merecermeu feroz ardor, se mo castiga e ensina?

 

III. Em Roma, no Pontificado de Júlio II

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Aqui se faz elmo de cálice e espada,e o sangue de Cristo se vende em pujança,e cruz e espinho são escudo e lança;e até de Cristo a paciência acaba!

Mas que não volte a esta parada;iria o sangue seu às estrelas sem fiança,em Roma à venda sua pele balança;e a todo bem fecharam a estrada.

Se eu quisesse possuir um tesouro,porque aqui minha obra foi partida,à Medusa de branco cedia com'um mouro.

Mas se alto no céu a pobreza é querida,quem se restaurará pro mundo vindouro,se um outro sinal sufoca a outra vida?

 

IV. A morte de Cristo

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Felizes tanto quanto turbados e tristes,que tu sofresses, e não mais eles, a morte,ficaram os eleitos, já que a tranca fortedo céu, da terra a nós com sangue abriste.

Felizes; porque, criados, os redimistedo primeiro erro de sua mísera sorte.Tristes; ao ouvir que com pena áspera e forte,a servo dos servos na cruz te reduziste.

Donde vens, quem és, o céu sinalizou,escurecendo seus olhos, turvou as águas,tremeram os montes, e na terra abriu um abismo;

do tenebroso reino os Pais resgatou,os anjos tortos mergulhou em mais mágoas:gozou só o homem, renascido no batismo.

 

Tradução de Marcelo Consentino.

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