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Poesia em Casa - O supremo agora: um poema de Pedro Juan Gutiérrez

Que espetacular pode ser um poema capaz de tanger a eternidade de cada um de nós.

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Por Estado da Arte
Atualização:

Por Pedro Gonzaga

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Preparava a quinta parte das perigosas pretensões poéticas quando, buscando algum exemplo positivo para o tema, deparei com um poema de Pedro Juan Gutiérrez, bem mais conhecido por sua prosa crua, por seus retratos de uma Cuba falida, onde o sexo parece ser a única válvula de escape, do que por sua poesia, mas, aos leitores atentos, será possível notar nos versos, de modo mais direto e eficaz que nas linhas, certa melancolia, um tipo difuso e calado de desespero diante do tempo, que, salvo engano, estão na essência de seus contos. Se a prosa ficcional nos fala das coisas que poderiam ter sido, erguendo mundos que são extensões de nossas vidas, a poesia nos lembra dos eventos perdidos, que voltam a existir no supremo agora de um poema. Ambas têm como missão afirmar o valor da experiência humana, este aqui desdobrado em possibilidades infinitas, este aqui exaurido por tudo que forçosa ou voluntariamente deixamos. E que espetacular pode ser um poema capaz de tanger a eternidade de cada um de nós.

 

História de amor na Saxônia

 

Uma vez estive passeando

nestes campos

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com uma mulher de Hamburgo.

Houve tanto amor

e tanta ternura

que nos assustamos.

Fomos até a estação de trem,

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à noite,

fazia muito frio. Nos despedimos

entre lágrimas e risadas nervosas

através dos vidros sujos do vagão.

Cada um regressando aterrado para casa.

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Não me esqueço jamais deste instante

porque agora,

de vez em quando,

nós enviamos fotos, com nossos filhos.

E algumas palavras sutis.

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Queremos tocar-nos, ao menos desse modo.

Há pouco me mandou uma foto com seus três filhos

e seu esposo.

E uma carta breve.

Ao final escreveu:

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"Sobre minha vida amorosa,

porque sei que te interessa,

posso te contar

que tenho um amante platônico

e um real

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mas disponho de pouco tempo.

Trabalho muito

e as crianças precisam sempre de mim.

Tuas fotos e tuas cartas

as guardo na caixa de veneno.

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Beijos, amor, segues sendo meu homem ideal. A. B."

 

Pedro Gonzaga é poeta, tradutor, músico e professor. Doutor em Letras pela UniversidadeFederal do Rio Grande do Sul, é autor de A Última Temporada, Falso Começo e O Livro dasCoisas Verdadeiras (Arquipélago Editorial), sua estreia na crônica. Acaba de lançar mais umlivro de poesia, Em outros tantos quartos da Terra.

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